Fátima Xavier
O texto
final do projeto de lei que trata das empresas estatais e foi enviado pelo
presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), para
sanção do presidente em exercício Michel Temer, está sendo considerado por
especialistas como “uma colcha de retalhos incompleta e mal acabada”. Da forma
que foi redigido e se for sancionado sem vetos, o futuro
estatuto jurídico das estatais, “vai tumultuar o mercado, aumentar as
disputas judiciais e comprometer o desempenho das empresas”. Temer tem até o
dia 12 de julho para resolver o imbróglio.
Para Aires
Hypolito, ex-diretor do Banco do Brasil, do Banco de Brasília (BRB) e
ex-presidente do Cartão BRB, o projeto de lei aprovado no Senado aborda
diversos temas que estão consolidados em mais de 400 páginas de leis e inúmeras
instruções normativas e as reduz a 40 sem compatibilizar as mudanças propostas
com as leis atuais. O texto colide em vários pontos com as leis de Licitação,
das empresas de capital aberto (S.A.) e da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM).
O texto,
segundo o ex-diretor do BB, colide em vários pontos com a Lei das Licitações (8.666/93 e
IN 04), com a Lei das S.A. ou das empresas de capital aberto (Lei 6.404/76),
com a lei de criação da CVM – Comissão de Valores Mobiliários (6.385/76), além
de afrontar outros normativos e jurisprudência já consolidada.
No quadro
ao lado é possível conferir as questões conflitantes do PLS nº 555/2015
identificadas por Hypolito, que também é conselheiro de administração com
certificado do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Se, por um
lado, o projeto de lei é muito elogiado por proibir indicações políticas e
determinar quarentena para novos dirigentes das empresas estatais depois do
rumoroso escândalo da Petrobras, o resultado da tramitação da matéria na Câmara
e no Senado Federal sugere mesmo a costura de uma colcha de retalhos quando a
ideia era propor práticas de governança e controles de riscos dos negócios
realizados por essas empresas.
Tramitação
O novo
estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias foi resultado dos trabalhos de uma comissão mista criada no ano
passado por iniciativa do presidente do Senado e do presidente afastado da
Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Da comissão saiu como o
PLS 555/2015, substituído por um novo texto do senador Tasso Jereissati
(PSDB/CE) ao incluir parte das 98 emendas apresentadas em plenário pelos
senadores.
Aprovado, o
projeto de lei do Senado foi encaminhado à Câmara dos Deputados. Lá, o processo
se repetiu e o projeto foi mais uma vez desfigurado com um substitutivo,
redigido agora sobre as emendas de plenário apresentadas pelos deputados e
acatadas pelo deputado Arthur Maia (PPS-BA). A elogiada proibição de indicações
políticas para cargos de direção das estatais e a quarentena foram descartadas.
A matéria voltou ao Senado.
No Senado,
o texto da Câmara é rejeitado e, mais uma vez, um novo substitutivo é aprovado,
reintroduzindo a proibição de indicações políticas e a quarentena. Do texto da
Câmara, foram mantidos apenas o § 1º do Artigo 4, o caput do Artigo 17 e a
alínea C do inciso 1 do mesmo Artigo 17. A matéria na forma do terceiro
substitutivo, aprovada pelo Senado, é que foi encaminhada por Calheiros para a
sanção presidencial no último dia 22.
IBGC
Em
entrevista concedida ao jornal Valor e publicada no último domingo, o
presidente do Conselho de Administração do IBGC, Emilio Carazzai, também
sugeriu uma lista de artigos que, acredita, deveriam sofrer vetos do presidente
Temer. Ele disse que o acervo do conhecimento do IBGC o permite afirmar que as
medidas incluídas no novo estatuto estão longe de evitar más práticas das
empresas e critica os dispositivos que abrem espaço para que os poderes
executivos de União, Estados e Municípios criem outras regras de governança
para as estatais.
Carazzai
afirmou que o número mínimo de sete conselheiros de administração para cada
estatal é excessivamente elevado (atualmente, o mínimo exigido é de três
conselheiros, mais do que isso, numa empresa pequena, só vai onerar o custo
gerencial); criticou a restrição da indicação para o conselho de profissionais
não ligados ao setor público; e a atribuição ao conselho e não à diretoria, do
papel de implementar sistemas de gestão de riscos. Ele questionou os artigos
que se referem à definição de conselheiros eleitos por acionistas minoritários
e empregados como “representantes” dessas classes, contrariando o princípio da
Lei das S.A.: “todo conselheiro deve defender os interesses da companhia e não
o de quem o indicou para o cargo”.
O
instituto, ainda segundo o Valor, sugere que o projeto “promova o registro de
todas as estatais na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), submetendo-as à Lei
das S.A. e à da CVM (Leis 6.404 e 6.385, respectivamente) e também elimine
completamente o capítulo que trata de contração de fornecedores por sobrepor-se
à Lei 8.666, que já disciplina o tema, sem oferecer benefícios claros.
O IBGC é
uma organização sem fins lucrativos e a principal referência no Brasil para o
desenvolvimento de melhores práticas de governança corporativa. Está ligado à
Global Reporting Initiative (GRI) e integra a rede de Institutos de Gobierno
Corporativo de Latino América (IGCLA) e o Global Network of Director Institutes
(GNDI), grupo que congrega institutos relacionados à governança e conselhos de
administração de diversos países.
Contas Abertas
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