Deutsche Welle
Enviados
pelo regime, cidadãos da Coreia do Norte são explorados no continente,
sobretudo na Polônia. UE se exime de responsabilidade, e trabalhadores recorrem
ao silêncio temendo retaliação.
"Eu
podia sentir o medo tremendo que acometia aquele homem. O medo de que algo
horrível acontecesse com sua família porque ele não retornou à Coreia do
Norte", afirmou a eurodeputada holandesa Kati Piri.
Ela se
referia a um ex-trabalhador do país asiático que participou de uma audiência no
Parlamento Europeu para contar a sua história, bem parecida com a de outros que
também são forçados pelo regime norte-coreano a trabalhar em países
estrangeiros sob condições desumanas.
Não é
segredo que Pyongyang envia cidadãos do país para trabalhar no exterior como
fonte de divisas. Um relatório da ONU divulgado em outubro de 2015 estimou em
50 mil o número de norte-coreanos trabalhando em condições análogas à
escravidão no exterior. Eles trabalham em indústrias como da construção,
mineração, têxtil e extração de madeira.
O
trabalho forçado gera até 2 bilhões de euros para Pyongyang por ano, afirma
Marzuki Darusman, relator especial da ONU para a Coreia do Norte. A organização
de direitos humanos britânica Aliança Europeia para os Direitos Humanos na
Coreia do Norte (EAHRNK, em inglês) divulgou um relatório em setembro de 2015
sobre o mesmo tema e apontou Malta e Polônia – países-membros da UE – como
destinos dos trabalhadores forçados.
Escravizados pelo próprio governo
Estima-se
que cerca de mil trabalhadores forçados norte-coreanos trabalhem atualmente na
Europa, dos quais 800 na Polônia. Empregados em canteiros de obras, estaleiros
e fazendas, eles realizam trabalhos fisicamente duros e, muitas vezes,
perigosos. O governo de Pyongyang negocia seus contratos diretamente com as
empresas estrangeiras que os empregam, e os próprios trabalhadores não recebem
nenhum papel.
Eles não
sabem quanto tempo vão trabalhar e sob quais condições e são obrigados a
entregar seus passaportes. E eles não recebem quase nada – estima-se que 90% de
seus rendimentos sejam direcionados para os cofres do regime.
Turnos
de 12 horas ou mais são comuns, e os trabalhadores são acompanhados de perto
por guardas da Coreia do Norte. "Eles trabalham seis dias por semana, e os
domingos são preenchidos por sessões ideológicas, nas quais a presença é obrigatória",
afirma Remco Breuker, professor de estudos coreanos na Universidade de Leiden,
na Holanda.
Medo de punição
A
exploração de trabalhadores norte-coreanos na Polônia viola uma série de leis
da União Europeia (UE). "Ela viola tanto as leis polonesas quanto do
bloco, os tratados e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
a Declaração de Direitos Humanos da ONU e as sanções internacionais contra a
Coreia do Norte", afirma Breuker.
Os
trabalhadores não estão autorizados a deixar seus postos de trabalho ou
socializar com a população local. Até mesmo a comunicação com as próprias
famílias na Coreia do Norte é estritamente limitada. Além disso, somente
aqueles que são casados e têm filhos são enviados para trabalhar no exterior,
numa tentativa de minimizar o risco de fuga. E, ainda, qualquer contato com a
imprensa é proibido.
Jornalistas
que tentam fazer reportagens sobre o assunto têm se deparado com o silêncio,
com a maioria dos trabalhadores se recusando a falar por medo de represálias ao
retornarem para o país natal.
Silêncio da Comissão Europeia
Juntamente
com outro colega, Piri enviou em setembro de 2015 um questionário à Comissão
Europeia sobre o assunto. Após três meses, em janeiro deste ano, recebeu uma
resposta, em sua opinião, decepcionante.
A
Comissão declarou que não havia o registro de nenhum trabalhador de países
terceiros na União Europeia, afirmando que os Estados-membros têm suas próprias
leis trabalhistas e que é da responsabilidade das autoridades e cortes
nacionais garantir que as regras sejam cumpridas.
"Todos
os sinais de alarme deveriam soar quando centenas de pessoas de um país como a
Coreia do Norte pedem um visto de trabalho à Polônia", critica Piri.
"Não é possível que a Comissão fuja de suas responsabilidades."
A
eurodeputada se pergunta como há sanções financeiras em vigor contra Pyongyang
e, ao mesmo tempo, é permitido que centenas de trabalhadores sejam explorados
na Europa e suas rendas sejam enviadas diretamente para os cofres do regime
norte-coreano.
Rede extensa
Ao menos
32 empresas polonesas – de grandes estaleiros a pequenas empresas de
horticultura – empregam trabalhadores da Coreia do Norte, aponta um relatório
publicado pela equipe de pesquisa da Universidade de Leiden, coordenada por
Breuker.
Segundo
o documento, os governos polonês e norte-coreano também detêm participações em
algumas dessas companhias. E várias delas receberam milhões de euros em
créditos da União Europeia, afirmam os pesquisadores. Assim, a Coreia do Norte
tem sido beneficiada indiretamente pelos subsídios do bloco europeu, e isso é
"extremamente problemático", lamentam os pesquisadores.
Foi
muito difícil obter informações confiáveis, afirma Breuker. "Nós começamos
com as informações públicas disponíveis, como vistos e autorizações de
trabalho, e falamos com trabalhadores norte-coreanos que fugiram. Mas decidimos
não entrevistar os trabalhadores que estão atualmente empregados na Polônia por
questões de segurança", frisou.
Entre a zona cinzenta e a
ilegalidade
Segundo
informações da emissora americana Voice of America, citando o ministério das
Relações Exteriores polonês, as autoridades do país emitiram um total de 482
autorizações de trabalho para norte-coreanos em 2015. Segundo o estudo da
Universidade de Leiden, quase 2.800 vistos foram emitidos entre 2008 e 2015.
Em
princípio, a contratação de trabalhadores da Coreia do Norte pode ser legal,
afirma Breuker. "Essa é a coisa atraente sobre contratá-los. Eles não são
apenas baratos e altamente qualificados, mas também vêm com toda a papelada
necessária, porque é o Estado norte-coreano que os envia, e não um
subcontratante ilegal", explica.
A
exploração deles, no entanto, não é legal. Eles devem ter contrato de trabalho,
pagar impostos e contribuições sociais, ter uma remuneração similar e os mesmos
direitos que seus colegas do bloco.
Sinal de
mudança?
Na
semana passada, a agência de notícias sul-coreana Yonhap afirmou que um
porta-voz do Ministério do Exterior da Coreia do Sul revelou que o governo
polonês decidiu no início deste ano "não emitir novos vistos para
trabalhadores norte-coreanos".
A
decisão teria sido tomada em resposta ao quarto teste nuclear realizado por
Pyongyang, em janeiro, que levou ao endurecimento das sanções internacionais
contra o regime .
Piri
espera que as notícias sejam verdadeiras e que a União Europeia tome uma
atitude. Breuker se diz menos otimista. "Eu também ouvi isso [sobre o fim
dos vistos]. Mas os trabalhadores que estão na Polônia continuam lá. E eu acho
que o governo polonês está envergonhado diante da situação", afirma.
"Eu
propus, tanto ao governo holandês – que preside o Conselho Europeu neste
momento – quanto à União Europeia que usem os resultados do nosso estudo para
pressionar a Coreia do Norte a falar seriamente com a UE sobre a situação dos
direitos humanos", afirma.
Até o
momento, Breuker não obteve uma resposta oficial. No entanto, ele afirma que
uma coisa é certa: "Simplesmente enviar os trabalhadores de volta à Coreia
do Norte vai apenas fazer com que mais trabalhadores sejam enviados para países
de fora da União Europeia", conclui.
DW
Nenhum comentário:
Postar um comentário