Deu no Brasil Econômico
Especialista no relacionamento das grandes empreiteiras com o governo
desde a ditadura militar, o professor da UFFRJ e doutor em História
Pedro Henrique Pedreira Campos, autor do livro “Estranhas catedrais — As
empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar”, não poupa
críticas ao poder político de empresas como Odebrecht, Andrade Gutierrez
e Camargo Corrêa: “Elas têm todo mundo na mão; se abrem a boca, cai a
República. O que é boa parte do PMDB, senão agentes dos interesses
desses empresários?”
Como avalia o impacto da Operação Lava jato?
Sou muito pessimista. Acho difícil o poder dessas empresas
ser arranhado. No início dos anos 90, a Odebrecht tinha uma ligação
muito forte com o governo Collor e era muito próxima de figuras como o
Renan Calheiros, e conseguiu comprar ativos de privatizações do setor
petroquímico, pela ligação que tinha com o PC Farias. Na época, o Emílio
Odebrecht deu uma entrevista para o “Jornal do Brasil” e, perguntado
sobre o envolvimento nas privatizações e o favorecimento pelo esquema
PC, respondeu: “O que é roubar, hoje, no Brasil?”. Ele dizia que o
sistema estava todo corrompido, e que pagava intermediários para levar
uma obra adiante, admitindo práticas ilegais. Recorrentemente, elas
estão envolvidas em escândalos, e isso não parece abalar muito o poder
delas. Elas têm todo mundo na mão; se abrem a boca, caia República. O
que é boa parte do PMDB, senão agentes dos interesses desses e de outros
empresários? O poder político delas é muito grande.
A defesa dos executivos presos argumenta que eles foram pressionados por membros do governo a pagarem propinas…
Isso é uma ladainha antiga, esse discurso da vitimização
do empreiteiro em relação ao Estado corrupto. Na verdade, as grandes
empreiteiras são as que mais estão envolvidas nesses esquemas
com partidos, figuras políticas e agências do Estado.
O grupo de empreiteiras envolvidas na Lava Jato é o mesmo citado em seu livro…
A partir do chamado “milagre econômico”, de 1968 a 1973,
um período de seis anos seguidos de taxas de crescimento superiores a
10% do PIB, há um volume de obras inigualável na história brasileira. Na
época, a maior empreiteira era a Camargo Corrêa. No período final da
ditadura (segunda metade dos anos 70 e início dos 80), o volume de obras
começa a declinar. Esses cortes acontecem de maneira bastante seletiva:
em sua maioria, nas obras das pequenas empresas. As grandes mantém um
volume de obras muito grande.
Quais obras?
A Odebrecht se mantém grande porque estava fazendo a usina
hidrelétrica de Angra; a Camargo Corrêa estava fazendo Tucuruí e
Itaipu; e a Mendes Júnior estava no exterior, em grandes projetos no
Iraque, América Latina, África. No final da ditadura, a gente já tem um
oligopólio, um conjunto de quatro empresas que dominam o mercado
brasileiro, incluindo aí a Andrade Gutierrez. No final dos anos 80, a
Mendes Júnior tem um problema sério, que é a guerra no Iraque. Vai à
falência e, hoje, opera uma empresa que é a Mendes Júnior Trading, para
fugir de todos os processos de falência em nome da pessoa jurídica
Mendes Júnior. Mas continua importante politicamente. Teve um caso
recente do Renan Calheiros, que dava mesada para a ex-mulher, e quem
pagava a mesada era a Mendes Júnior. A OAS é uma que cresceu muito, já
no final da ditadura, claramente ligada à figura do ex-senador Antônio
Carlos Magalhães.
A transição à democracia não feriu essas relações?
Da ditadura para a democracia, esses grupos se mantiveram
no poder. Obviamente que não só eles, os grandes bancos e outros setores
também. Mas esses empresários mantiveram o oligopólio em uma conjuntura
de mercado mais decadente em volume de obras públicas. Quando houve
certo aumento, nos últimos dez anos, com grandes projetos nacionais no
governo Lula, vários deles pensados na época da ditadura, esse
oligopólio mostra que ainda está funcionando. São essas empresas líderes
que continuam na ponta do sistema.
Em que setores elas atuam, além da construção civil?
A Odebrecht, por exemplo, é proprietária de um grupo
petroquímico, a Braskem, e cerca de 65% do seu faturamento vem do setor
petroquímico. A Andrade Gutierrez é uma das principais acionistas da
Cemig e da Oi; e a Camargo Corrêa é dona de vários grupos industriais,
produz cimento e é dona da São Paulo Alpargatas (Havaianas, Topper e
Rainha) e da Santista Têxtil.
É possível reduzir a dependência das empreiteiras?
Se param as obras dessas empreiteiras, vamos ter
racionamento de energia, e os problemas de logística se agravarão ainda
mais. Elas têm concessões e podem falar que vão interromper as
concessões de portos, de metrôs, trens urbanos e até mesmo das
Olimpíadas. Há uma alternativa? Acho que sim. Por exemplo, o fim do
financiamento empresarial e privado de campanha eleitoral poderia ser um
avanço, junto com uma ampla investigação para evitar o caixa 2.
Como é em outros países?
O poder das empreiteiras americanas é um negócio
impressionante, em uma escala, inclusive, muito superior ao das
brasileiras. Empresas como Bestel, Halliburton, são poderosíssimas. O
vice-presidente americano saiu da vice-presidência da Halliburton, que
ganhou um contrato de US$ 40 bilhões para a reconstrução do Iraque — e
inclusive contratou a Odebrecht para fazer alguns serviços. Não sei se
são envolvidas em casos de escândalo, como no Brasil, mas em todos os
lugares do mundo, os empresários de engenharia são muito poderosos,
econômica e politicamente.
prof. Pedro Henrique Pedreira Campos
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