Por Percival Puggina
Volta e meia ouço que as ideologias
acabaram. Ensinam-me que esquerda, direita e seus arredores perderam prazo de
validade. Vai atrás! Chega a ser engraçado porque não abro jornal, não ouço
rádio nem assisto tevê sem que as ideologias fluam aos borbotões das palavras e
das imagens. Elas estão entre as mais imediatas causas das notícias. A
ideologia que rege a banda nacional, por exemplo, está desintegrando a
sociedade. Será preciso mais, para que o reconheçamos?
Rouba-se tudo de
todos. O carrinho do bebê e, não raro, também o bebê. A pensão da velhinha e o
guarda-chuva do velhinho. Rouba-se tudo de todos. O país virou um covil onde
ladrões espantam turistas e apavoram os nativos. Por quê? Porque nossos governantes,
legisladores e muitos magistrados consideram de "baixa lesividade" os
crimes contra o patrimônio (alheio, claro).
Nem por roubo à mão armada alguém
vai para regime fechado. Se condenado, o assaltante ruma para o semi-aberto,
onde não tem vaga. E daí para casa e para as ruas. É por isso que um desmanche
de automóveis pode ser fechado quatro vezes. E continuar operando. E é por isso
que os vândalos promovem trottoirs em Porto Alegre, quebrando o que encontram
pela frente, enquanto a Brigada Militar a tudo assiste zelando pelo bem estar e
segurança dos facínoras. Bem sei o quanto essa determinação superior contradiz
o ânimo e os princípios que norteiam a formação dos membros da corporação.
O zelo pelo
patrimônio privado ocupa o último lugar entre as preocupações das autoridades
nacionais. Tendo o direito à propriedade deixado de ser significativo, por
motivos doutrinários, filosóficos e ideológicos, tais crimes sumiram do
catálogo das condutas coibidas. De tanto repetir que pedra é pau, furto e roubo
se converteram em atos de justiça distributiva. "Encostaram-lhe uma arma
no peito? Depenaram seu apê? Vá catar coquinho. Cada um com seus
problemas."
De nada vale
mostrar o quanto é malévola e incoerente essa ideologia de twitter, essa filosofia
de quarto de página. Afinal, se o ladrão rouba por necessidade e não por adesão
livre e racional ao crime, como explicar o vertiginoso aumento da criminalidade
num período de expansão do emprego e da renda das pessoas? Temos, aqui, duas
fatuidades: a ideologia que inspira o governo e sua política social. O crime
avança - sei que a nada serve repeti-lo - porque é um negócio de alta renda e
baixo risco.
Há muitos anos ouvi
de alguém com influência na formulação das concepções a que estamos atrelados
que nossos códigos protegiam mais os bens do que as pessoas. Foi como subir
instantaneamente numa escada e espichar os olhos na direção do horizonte.
Estava visto aonde aquilo iria nos levar. Hoje, o ladrão toma-te os bens na
boa, mas se o ofenderes com palavras interditas, "preconceituosas",
raios e trovões cairão sobre tua cabeça. Ante a inércia, aumentou
significativamente o furto e, mais ainda, o roubo à mão armada, não raro com
execução das vítimas. A desatenção aos crimes contra o patrimônio acabou com a
segurança das pessoas cuja proteção se pretendeu priorizar - quem não vê? Ou
será preciso desenhar? Não se constroem presídios e os existentes,
superlotados, regurgitam as populações carcerárias de volta às ruas. Por fim,
diante desse quadro macabro, nossos governantes fazem quanto podem para
desarmar a população. E proclamam, com candura, que não há ideologia alguma
nisso.
Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do sitewww.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
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