sábado, 23 de abril de 2016

Novas lideranças não virão da velha política

JORGE MARANHÃO

Elas sairão de setores que não sucumbem facilmente aos vícios do sistema e, por isso, poderão reformá-lo de cabo a rabo

Circula na internet uma ótima piada sobre o picadeiro em que nossas excelências transformaram o plenário da Câmara dos Deputados por ocasião da sessão do impeachment. Até por que estamos acostumados com as tiradas bisonhas de nossos deputados de baixo clero apenas no varejo de uma ou outra sessão avulsa. Mas com a totalidade de suas excelências tendo de se manifestar no atacado, em transmissão ao vivo, sem cortes dos editores de telejornais, pudemos assistir a um espetáculo realmente estapafúrdio. A piada em questão quantifica os números da histórica sessão: votos sim: 367; votos não: 137; abstenções: 7; ausentes: 2; esposas lisonjeadas: 203; amantes zangadas: 220; filhos falando "- ai que mico!": 300; professores de português sofrendo infarto: 124.218.

A despeito da seriedade da pauta e as consequências para o futuro imediato do país, é de se perguntar o que uma elite de cidadãos mais conscientes pode fazer para além de rir. Pois sabemos que a mediocridade da representação política de uma sociedade não limita o desenvolvimento social e econômico apenas dos menos afortunados, mas também a possibilidade de sucesso dos mais abastados. E quando puxamos o debate para o que se pode fazer para incidir nesta decadência de nossa cultura  política, corre o consenso de que o país na verdade sofre uma crise de liderança. Como se a democracia fosse fatalmente a hegemonia demagógica da plebe e as elites ilustradas nada pudessem fazer para elevar o nível da representação política. Pura falácia de quem na verdade quer tirar seu corpo fora, se julga superior e pensa que pode ser cidadão do mundo só por criticar sua origem.

Tenho visto um questionamento entre empresários de quem seria, por exemplo, o “Macri brasileiro”, pois sempre estamos a pensar na competição besta com los hermanitos del sur, do tipo Maradona versus Ronaldo Fenômeno. Quando nem de longe temos experimentado a ascensão de novos políticos nacionais fora dos clãs de políticos profissionais e seus herdeiros, como os Magalhães, Barbalho, Maia, Sarney, Covas, Marchezan, Bolsonaro, Piciani, Andrada, Richa, Garotinho, Alves, Calheiros, Bornhausen e outros. Será mesmo que nosso Macri sairá destes feudos dinásticos, de pai para filho desde mil novecentos e antigamente? Será a nobre arte da política passível de transmissão hereditária?

Penso que não. Tenho convicção que nossas novas lideranças políticas não sairão de uma velha política, mas sim de uma elite de empreendedores, de profissionais liberais e de carreiras públicas de estado, que não sucumbem tão facilmente aos vícios de nosso sistema de representação política. E que por isto mesmo terão a liberdade de espírito de reformá-lo de cabo a rabo.

Pois esta grande reforma, mãe de todas as demais, só poderá sair do estado de eterno debate por representantes de fora do sistema, do chamado mercado, que nada mais é do que a sociedade produtiva, esta, sim, credora dos maiores  avanços culturais que temos experimentado nos últimos tempos em segmentos tão diversos como indústria, comércio, serviços, agricultura, academia, medicina, engenharia, direito, artes e tecnologia. Todos menos exatamente aquele que, por ser de natureza geral, influencia todos os demais comprometendo seu desempenho: a baixa cultura política nacional. Como num bom time de futebol que jamais será composto só de craques goleadores!

Mas como diz um parlamentar amigo: será que interessam mesmo as reformas para melhorar o nível dos candidatos para os quadros de nossos viciados políticos profissionais? Por que não tramitam projetos de lei com exigibilidades mínimas para candidaturas a cargos eletivos do Legislativo e do Executivo? Pois não tem sentido que o poder público exija curso superior completo de um ingresso na carreira militar, policial e de mero gestor do executivo e o mesmo não exija de governadores, deputados, ministros de contas, prefeitos e secretários. Ou mesmo por que não são aprovados projetos de leis sobre a introdução dos temas da cidadania nas escolas, como o mais avançado, que é o PL 4744, de 2012, fruto da junção de 11 propostas semelhantes do Senado e engavetado há quatro anos na Câmara?

Enquanto isto, no campo da sociedade concreta, dos cidadãos eleitores e pagadores de impostos, não param de surgir jovens com iniciativas criativas exatamente no campo da inovação política. Citamos apenas quatro deles, novos aplicativos para controle social de políticos e mandatos, surgidos  nos últimos três anos:

1.Colab.ore - aplicativo que permite aos eleitores avisarem ao poder executivo municipal sobre problemas do dia a dia das cidades, como obras a serem realizadas, sinalização deficiente, problemas de mobilidade urbana, seguranças, coleta de lixo e meio ambiente, dentre outras. Em 2013, venceu o prêmio de melhor aplicativo urbano do mundo, concedido pelo concurso AppMyCity realizado pela organização New Cities Foundation:

2. Legislando - criado pela organização Meu Rio, através da sua Rede Nossas Cidades. Com o aplicativo, qualquer um pode iniciar, participar do desenvolvimento ou simplesmente apoiar um projeto de lei. Além de acompanhar a tramitação de forma descomplicada até sua aprovação final, o aplicativo permite que qualquer cidadão apresente uma sugestão de projeto de lei a ser adotado e levado adiante por um parlamentar. Além disso, os próprios parlamentares podem disponibilizar seus projetos para consulta e sugestões da sociedade:

3. SOS Eleitor - aplicativo bem semelhante ao Legislando, mas disponível apenas para acesso via celulares. Está em fase de implantação em Santa Catarina. A ideia é a de um canal direto com o político para sugerir projetos de lei e indicar demandas ao executivo, interagir com ele e compartilhar nas redes sociais as suas ideias e experiências. Cada cidadão eleito tem no aplicativo um perfil com dados como histórico na política e na profissão, formas de contato, projetos de lei que apoia e outros:

4. Lista Negra - lançado esta semana, o aplicativo está ainda em fase de desenvolvimento e foi criado pelos movimentos Acorda Brasil, Avança Brasil Maçons e Brasil Melhor. Com ele, é possível monitorar fisicamente onde um político está naquele momento, de forma que qualquer cidadão que queira apresentar sugestões ou fazer reclamações possa ir ao seu encontro. O ponto de partida do Lista Negra foi a divulgação dos deputados que votaram contra o impeachment, de modo que os cidadãos eleitores possam pressionar seus representantes em outras futuras votações para conferir se seus votos correspondem a compromissos assumidos:

Para além deles, vemos surgir uma disposição invejável de jovens tentando suprir a lacuna de educação cívica e política que o sistema público não oferece.

Como Bianca Colepicolo da ong Sinapse de São Paulo:  

Ou William Nogueira do Rio de Janeiro, idealizador da Ação Jovem Brasil:

Ou mesmo o programa de oficinas de cultura de cidadania corporativa aqui da Voz do Cidadão para quadros gerenciais das empresas que, acreditamos, podem queimar etapas para a transformação de nossa subcultura política:

Na verdade, o que não há é visibilidade na grande mídia para estas e tantas outras centenas de jovens que efetivamente lideram coletivos e iniciativas para uma nova cultura política que desponta no país, para além dos ambientes superexpostos e viciados da política profissional, da vida partidária dinástica e do sindicalismo corporativista. Como diz o jornalista Fernão Lara Mesquita: “A imprensa poderia dar uma contribuição muito maior ao país se passasse a trabalhar mais para informar Brasília sobre o que se passa no Brasil do que o contrário".

Jorge Maranhão 

Revista ÉPOCA



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