sábado, 30 de janeiro de 2016

Da série corrupção de valores: mercado

Jorge Maranhão

As iniciativas do recém-empossado presidente da Argentina, Mauricio Macri, trazem a esperança de que, pelo menos do lado dos “hermanos”, o país finalmente vai trilhar o caminho do livre mercado, bem distante do que se viu nos tempos do intervencionismo kirchnerista. Menos impostos, menos demagogia social e menos tutela; mais liberdade de escolha e de iniciativa dos cidadãos.

E aqui no Brasil, como estamos?

Ainda no ano passado, em um de seus oportunos artigos, o economista Gustavo Franco já fazia o alerta: “o Brasil não gosta do sistema capitalista. Os congressistas, jornalistas e universitários não gostam do capitalismo.” Mas se, de fato, temos um país eminentemente capitalista, de que tipo ele seria? Na verdade, trata-se de um grande erro chamar o que temos hoje no Brasil de capitalismo, como tantos fazem através de expressões como “capitalismo de Estado, de compadrio”, “neopatrimonialista”, “capitalismo oligopolista” e outros. Ora, quando começamos a adjetivar muito um substantivo é sinal de que o mesmo está perdendo a substância. Classicamente, o capitalismo é o sistema econômico baseado no livre mercado, onde a concorrência é o melhor traço para lhe definir a natureza. Além de outros consagrados valores morais da tradição ocidental judaico-cristã, como a propriedade privada, a liberdade de empreender, o respeito à lei e aos contratos, e a competitividade dos agentes econômicos que determina preços.

Diríamos mesmo que o fenômeno da concorrência capitalista, para além de garantir a riqueza das nações, garante a própria liberdade de escolha do cidadão, e, por consequência, a sua soberania política. Não é apenas um, dois ou três desses quesitos. Só há capitalismo de fato quando todos eles estão presentes. E quem, em sã consciência, pode garantir isso em se tratando de Brasil?

Medidas que vêm sendo tomadas há mais de uma década, como a polêmica “nova matriz econômica” – e seus campeões nacionais, subsídios setoriais pontuais e crédito a fundo perdido para alguns eleitos nacionais ou estrangeiros – fracassaram de maneira retumbante, jogando o país na pior crise de sua história. Não por outra razão, nenhuma delas expressa traços mínimos do que possa se chamar de livre mercado ou mesmo de capitalismo concorrencial. Ao contrário, observou-se no Brasil um fenômeno de oligopolização de vários setores produtivos, não por acaso financiados pelo Estado, e responsáveis diretos pelo recrudescimento inflacionário dele decorrente. Ainda assim, o nosso imaginário social vê o livre mercado e o capitalismo como aqueles dos primórdios da revolução industrial inglesa da virada dos séculos XVIII para o XIX, com sua produção em ritmo cada vez mais acelerado, zero de direitos trabalhistas, salários aviltantes e um índice altíssimo de mortes no trabalho.

Esta é a imagem que nos é repetida constantemente por setores da mídia, acadêmicos e grupos políticos esquerdistas. Ricos espoliando pobres, e só. E mais: que a economia planejada, controlada pelo Estado, é a única forma de se evitar desigualdades sociais e garantir vida digna a toda população. Pura e perversa falácia. Ainda em 1920, Ludwig Von Mises demoliu essa tese, ao mostrar que, sem a propriedade privada dos meios de produção, o cálculo econômico é impossível. Mises explicou que, nesse sistema, nenhum governo é capaz de saber o que produzir, quanto produzir e quais recursos  utilizar para produzir o que quer que seja, pois somente aqueles que são proprietários dos meios de produção podem alocar racionalmente o escasso capital de investimento. Ou seja, são capazes de determinar custos efetivos e fixar preços de maneira competitiva. E, sem preços competitivos, não temos ganhos de produtividade, não temos eficiência econômica, e muito menos condições de planejar os rumos da economia. E isso torna a tal “economia planejada” uma contradição em termos. A academia sabe disso muito bem. Daí ser maior a sua responsabilidade na perpetuação dessa falácia em nosso imaginário social. Junte-se políticos demagogos a esta academia amestrada pelo Estado, e não teremos outro resultado se não a maior desigualdade social, o imposto perverso da inflação e a crise de escassez e desemprego flagelando exatamente os mais pobres.

Todavia, existe hoje no mundo uma conscientização sobre a importância de se esclarecer isso aos cidadãos comuns. Alguns movimentos internacionais, como o Capitalismo Consciente, se dedicam a essa tarefa, ao mesmo tempo em que divulgam para os empresários novas práticas, em direção a uma nova forma de se aperfeiçoar o livre mercado e fazer do capitalismo oligopolista um capitalismo concorrencial e moderno. André Kaufmann, um dos representantes do movimento no Brasil, declarou em depoimento ao programa Agentes de Cidadania, aqui da Voz do Cidadão, que, hoje, o mundo empresarial reconhece que a percepção sobre o que é o capitalismo vem sendo deturpada, o que vem gerando uma rejeição pela sociedade. Para ele, o movimento procura conscientizar o mundo corporativo de que “ganhar muito dinheiro e fazer o bem não são incompatíveis.”

É preciso uma grande campanha da cidadania para esclarecer as distorções sobre o capitalismo e resgatar o valor do mercado da corrupção geral dos valores. Pois se a mídia de massa sensacionaliza a onipotência do Estado, esquece que este surgiu exatamente para servir ao mercado e não o contrário. Pois, o que o Estado não pode ser de maneira alguma é empreendedor, interventor e tutelador do cidadão.

Como disse Gustavo Franco: “Seria maravilhoso se, junto aos desdobramentos da Operação Lava-jato, pudéssemos rever a vasta constelação de políticas públicas discricionárias e seletivas que tanto favorecem mercados cativos, desvios éticos e prejuízos ao nosso crescimento”.
Para tanto, precisamos urgentemente, e antes de mais nada, decidir que capitalismo queremos. O que não podemos é continuar nos autoenganando de que há alguma alternativa viável de economia planejada e coletivista para o país. 

Publicado no site de Época em 28/01/2016


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