por Carlos I. S. Azambuja
Os arrependidos do pós-socialismo real buscam freneticamente um certificado de que nunca foram socialistas e que tudo não passou de um equívoco político
“O
sucesso do governo Lula é condicional para o despertar de uma nova esquerda no
mundo. O sucesso do governo Lula é fundamental para que os valores que
alimentaram as melhores utopias rejuvenesçam, floresçam e dêem novos frutos” (Resolução
Política aprovada pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores dia 16
de março de 2003, www.pt.org).
O
conhecimento dos conceitos básicos do Materialismo Histórico é
considerado fundamental pelas esquerdas de todos os matizes, em todo o mundo,
para a iniciação na doutrina científicado marxismo-leninismo. Esse
conhecimento objetiva dotar os futuros revolucionários do instrumental teórico
mínimo necessário e ao estabelecimento de táticas e estratégias que conduzam à construção
do socialismo, malgrado essa forma de Estado já tenha sido amplamente repudiada
pelos povos que viveram sob ela.
Embora
o socialismo, tal como sempre foi conhecido e posto em prática, tenha fenecido,
alguns grupos de saudosistas, em todo o mundo, já optaram pela volta às
origens, ao Manifesto Comunista, buscando refundar o comunismo, agora –
dizem – livre dos desvios atribuídos a Stalin e a outros, acusados de
desvirtuarem, na prática, os escritos de Marx e Engels.
Seria
tempo, portanto, de recapitular alguns desses conceitos para, pelo menos,
compreendermos um linguajar típico.
Classes
Sociais são “grupos sociais antagônicos, pois um se apropria do trabalho
do outro em virtude do lugar diferente que ocupam na estrutura econômica de um
modo de produção determinado”. Esse lugar diferente é
determinado pela forma com que cada grupo se relaciona com os meios de
produção.
É
evidente que o partido não se preocupa com o proletariado porque este esteja
oprimido ou porque seja débil e sim, na medida em que é considerado,
potencialmente, uma força. Seguindo esse raciocínio, quanto mais proletários
existirem maior será a sua força como classe revolucionária, classe essa
dirigida, obviamente pelo partido, força dirigente do processo.
Conjuntura
Política é definida como “o momento atual da luta de classes em uma
formação social”.
Formação
Social é o conceito que designa “uma realidade concreta, complexa,
impura, como toda realidade”. Assim como toda totalidade social
concreta, historicamente determinada, aFormação Social é composta por uma
estrutura econômica, uma estrutura ideológica e uma estrutura
jurídico-política.
Força
Social é a expressão empregada para analisar a ação das classes ao nível
da conjuntura política.
Em
um processo revolucionário existem sempre três tipos de forças sociais: Forças
Motrizes, Força Principal e Força Dirigente. Forças Motrizes são as
constituídas pelos grupos sociais que participam de forma ativa no processo
revolucionário; Força Principal é a constituída pelo grupo social que
representa a Força Motriz mais numerosa; Força Dirigente é
a constituída pelaForça Principal que dirige o processo revolucionário.
Para
dirigir o processo revolucionário não é obrigatoriamente necessário
ser a Força Motriz mais numerosa, uma vez que o fundamental não é o
seu número e sim o seu papel político, a capacidade de tomar a iniciativa e
formular metas adequadas a cada etapa.
A Força
Principal não deve ser confundida com a Força Dirigente da
revolução.
Luta
de Classes é o enfrentamento entre duas classes antagônicas – a dos oprimidos e
a dosopressores – que lutam por seus interesses. A Luta de Classes dá-se
em três níveis: econômico, político e ideológico.
Formas
de Lutas são as distintas características que podem assumir um tipo de
luta: legal ou ilegal; pacífica ou não pacífica. Diz a doutrina científica que o Partido (com
inicial maiúscula, para se diferenciar dos partidos burgueses) é quem
determina, em cada momento, qual forma de luta deve ser priorizada e como as
demais formas de luta devem subordinar-se a ela. A Forma de Luta a
ser empregada depende do nível de consciência e de organização das massas,
bem como da correlação de forças. A única questão é determinar quando e em
que situação se torna necessário recorrer a esta ou aquela Forma de
Luta. Isso é determinado pelos luminares encastelados na nomenklatura
partidária.
A Tática de
qualquer partido comunista consiste em propor às massas as formas
concretas de ação julgadas úteis numa conjuntura objetiva definida.
Situação
Revolucionária é o conjunto de fatores objetivos necessários para o
desencadeamento de uma revolução. Diz-se que uma Situação Revolucionária é
uma acumulação e exasperação de contradições históricas que se fusionam em uma
unidade de ruptura.
As Condições
Objetivas de uma revolução são definidas pela impossibilidade das classes
dominantes em manter, sem reformas ou transformações, as formas de sua dominação.
AsCondições Objetivas são dadas por uma crise na política da classe
dominante, produzindo rupturas pelas quais aflora a indignação das classes
dominadas e oprimidas, resultando em um considerável aumento das atividades das
massas, empurradas e dirigidas pelo Partido.
Condições
Subjetivas são a capacidade do Partido de realizar ações
revolucionárias de massas suficientemente vigorosas para depor o antigo
governo, que, segundo a doutrina, jamais cairá se não for feito cair.
Economicismo é
a teoria expontaneísta que reduz a consciência de classe a um simples
reflexo das condições econômicas. O Economicismo nega, na prática, o
caráter de vanguarda doPartido, sendo considerado um desvio do marxismo porque
sustenta ser a luta econômica a única Forma de Luta válida nas
situações onde as Condições Objetivas não estejam ainda maduras.
Todavia, as Condições não estarão nunca maduras se o Partido renunciar
a levar em conta um dos fatores fundamentais para que isso ocorra: a
organização política revolucionária do proletariado.
O
chamado Esquerdismo, considerado por Lênin como a doença infantil do
comunismo, tem como características:
-
no plano ideológico, como conseqüência de uma visão deformada da conjuntura, o
desejo de ver realizada a revolução, de qualquer maneira, confundindo
anseios pessoais com a realidade objetiva e repetindo mecanicamente,
vulgarizando-as, palavras-de-ordem radicais, válidas somente para determinadas
situações históricas;
-
no plano organizativo sua expressão é o acentuado individualismo, que se
manifesta pela negativa em aceitar o centralismo democrático do Partido
da classe operária;
-
no plano de direção, o esquerdismo se expressa no que diz respeito à
estratégia revolucionária e em sua incapacidade de distinguir as possíveis
diversas etapas da revolução.
Finalmente,
a doutrina científica define o Esquerdismo como “um
desvio voluntarista, subjetivista, da teoria marxista da História, que prioriza
o expontaneísmo das massas, homens ou pequenos grupos de revolucionários e
deixa em segundo plano as tarefas de organização do partido, capazes de
mobilizar as massas”.
Pode
ser dito que “as melhores utopias” – citação da Resolução do PT –
caracterizam a cobiça do impossível. O termo “utopia” é
freqüentemente utilizado como sinônimo de irrealizável e foi utilizado por um
Santo da Igreja Católica - Tomas Morus, degolado em 1535 por ordem de Henrique
VIII, da Inglaterra - para referir-se à sua fantasia sobre a ilha da
felicidade, sua utopia.
Depois
da constatação de Achille Ochetto, Secretário-Geral do Partido Comunista
Italiano, em 1987, dois anos antes da queda do Muro de Berlim – “il comunismo é
finito”! -, os marxistas mais fervorosos passaram a substituir o nome
original de sua profissão de fé. Já não se proclamam marxistas ou comunistas.
Tornaram-se cavaleiros andantes da utopia que é agora sua fé, o santo e a senha
de seus compromissos políticos.
Herbert
José de Souza, o Betinho, militante que viveu vários anos exilado, que foi
dirigente da Ação Popular e do Grupo dos Onze, também constatou, anos depois,
que “il comunismo é finito”. Vejam como ele analisou os ainda
esquerdistas, em setembro de 1995: “São como cadáveres insepultos, vagando
por aí. A maioria dos grupos que se dizem de esquerda são igrejinhas, seitas,
um bando de loucos e dogmáticos” (livro “No Fio da Navalha”, editora
Revan).
Nesse
sentido, deve-se reconhecer que a União Soviética e os países do Leste da
Europa prestaram um grande serviço à humanidade: comprovaram, na prática, que o
socialismo não funciona.
Agora,
na era do pós-socialismo real, são muitos os políticos e os partidos de
esquerda dispostos a um boca-a-boca para ressuscitar o marxismo-leninismo
que fazem fila no guichê onde são cadastrados os arrependidos. Ali, entregam os
termos e expressões que até aqui utilizavam, no afã de receberem o cobiçado
carnê de não-mais-comunistas e reconhecendo os imensos desatinos cometidos por outros marxistas.
Assiste-se
a uma liquidação de saldos de incêndio da ideologia gestada pela teoria
científica. Os que aproveitam essa liquidação adquirem a baixo custo
quaisquer desses retalhos e, mediante o recurso de agregar-lhes o singelo
prefixo neo e submetê-los a uma aparente reciclagem, os introduzem
novamente no sofisticado mercado de consumo ideológico sob renovadas etiquetas.
Graças
a essa avalanche de arrependidos, a democracia vem sendo transformada em uma
transnacional de amplíssimo espectro. Os que até ontem defendiam o socialismo –
ou o socialismo democrático -, os movimentos populares e o Estado
Leviatã, adotam hoje o discurso dos recursos limitados, do status-quo neoliberal
e da política da postergação dos salários e das aposentadorias como forma de alinhar a
economia, como vem fazendo o partido dito dos trabalhadores.
Alguém
já disse que o PC Polonês, que tinha a pomposa denominação de Partido
Operário Unificado Polonês (POUP), no final da década de 80, quando o fim do socialismo
real já era um fato, introduziu um artigo em seus estatutos, que dizia: “Todo
militante que trouxer um novo membro para o partido será dispensado de pagar
sua contribuição; aquele que trouxer dois novos militantes poderá abandonar o
partido; e o que conseguir três ou mais militantes receberá um certificado de
que nunca pertenceu ao partido”.
Os arrependidos
do pós-socialismo real buscam freneticamente um certificado de que nunca
foram socialistas e que tudo não passou de um equívoco político. Até
mesmo uma alta autoridade desta nossa terra Brasilis declarou
recentemente que “nunca foi de esquerda”: “Todo mundo sabe que nunca
aceitei o rótulo de esquerda” (Lula, dia 27 de agosto de 2002, em Caracas).
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Transcrito do www.alertatotal.net/
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