por Percival Puggina
Há bem poucos dias, o IPEA e o IBGE
qualificaram-se para a linha de tiro da oposição. As duas
instituições encarregadas de fornecer números aos analistas
nacionais e às políticas dos setores público e privado foram
acusadas de sujeição às conveniências eleitorais do governo e de
seu partido. Quando isso ocorre em qualquer instituição permanente
do Estado ou da administração pública, tem-se um verdadeiro
sequestro, com severo dano ao interesse nacional.
Aliás, reiteradamente, as redes sociais estampam
imagens de policiais federais também manifestando contrariedade com
a intrusão do partido do governo nas atividades da corporação.
Embora as denúncias envolvendo a Petrobras sejam,
agora, a face mais visível do fenômeno que descrevo, tais fatos se
reproduzem e multiplicam na imensa estrutura dos poderes públicos. É
para proporcionar isso que o Estado não pára de crescer. E de
encarecer. É por isso que os partidos se multiplicam como coelhos e
o tamanho do Estado avança na mesma cadência. Cada peça dessa
imensa máquina, pequena ou grande, responde a algum partido em
primeiríssimo lugar. O bem nacional vem depois. Ou, simplesmente não
vem.
LEMBRANDO 2010
Recordo os meses que antecederam à eleição de
2010. Cumpriu-se um cronograma de notícias oficiais, boas para o
governo, divulgadas nos momentos propícios, e propagadas pela mídia
sem a devida análise crítica. Tudo para nos convencer de que o
Brasil era uma ilha de prosperidade e que nosso PIB cresceria segundo
aqueles números sempre superiores a 4%. Números que o ministro
Mantega traz na cabeça, todo Ano Novo, quando acorda do revellion. E
passa o ano inteiro corrigindo para baixo.
Por incrível que pareça, não entra no campo das
análises políticas o motivo pelo qual se estabelece no Brasil esse
assalto partidário a tudo que é público. Atribui-se ao velho
patrimonialismo algo que tem causa institucional. Para bem
entendermos o que acontece é preciso distinguir o que é Estado, o
que é governo e o que é administração pública. Estado é um ente
político de existência permanente, geograficamente delimitado, com
poder soberano em relação a um povo que ali habita, zelando pelo
bem comum num sentido amplo.
O governo desempenha apenas uma das várias
funções do Estado; cabe-lhe cumprir as leis e definir políticas,
programas e ações para atender o bem comum nas circunstâncias
dadas e por um período de tempo limitado. A administração, por seu
turno, é o aparelho funcional através do qual tais políticas,
programas e ações são executadas, atendendo de modo continuado os
sucessivos governos.
ESTADO DEMOCRÁTICO
Nas democracias, como se pode presumir, o Estado,
por ser de todos, não deve ter partido. A administração, por
servir a todos, tampouco. Assim sendo, o governo e só o governo pode
ser provido pelos partidos com seus partidários. Por isso mesmo ele
é escolhido numa eleição entre as legendas e tem prazo de validade
limitado. Deveria saltar dos enunciados acima o absurdo em que
incorre nosso modelo institucional quando, além do governo, atribui
a uma única pessoa e a seu partido também Estado e o aparelho da
administração pública.
É a raposa cuidando do galinheiro. É a festa do
poder. É também por isso que quando a luz se acende sobre a festa
de ontem, o salão está repleto de sinais da orgia. E como só ao
povo, pagador da conta, interessa moralizar as instituições, nada
muda para que tudo fique como está. Assim prossegue nossa
democracia, por intolerável que pareça.
Transcrito
da Tribuna da Internet de 29/04/2014.