Por
Milton Pires
Uma
das tentações mais fortes a que pode ser submetido no Brasil um funcionário
público, médico ou não, é a do “diagnóstico administrativo”. Desafio qualquer
um de vocês a negar que, uma vez em contato com departamentos de recursos
“humanos”, setor “pessoal”, ou qualquer coisa parecida, não tenha saído de lá
furioso acusando quem atende naquela área de ser desinformado, desorganizado ou
corrupto, mas procurando sempre definir tudo numa palavra só.
Afirmo eu que no
Brasil nada pode ser mais enganoso: a “máquina” não funciona desse modo. O que
existe é uma combinação quase perfeita de indiferença, corrupção e
incompetência. Acusado, com razão ou sem de um dos defeitos, o “sistema” muda
de linguagem deixando com cara de palhaço o pobre diabo que se encontra na
frente do guichê.
Essa sensação que
mistura raiva, impotência, e abandono vem se alastrando pela sociedade
brasileira. Seus frutos são o egoísmo e a indiferença..a perda da capacidade de
se comover e da caridade além de uma ânsia constante pela “normalidade” e pelo
lugar comum..É nesse lugar comum que o homem sem crítica, que o cidadão vazio e
“democrático” se sente acolhido pelos iguais e deixado em “paz pelo sistema”.
Chefiado por alguém sem rosto, assustado por um terror sem face, esse homem-oco
vaga de repartição em repartição preenchendo formulários e apresentando
documentos para finalmente ser reconhecido como igual pelos “colegas” de
trabalho.
Nada pode ser mais
triste do que essa hiperdemocracia, do que essa ditadura dos medíocres que cria
a desesperança com relação à política. Dessa sensação de que nada vai mudar
surgiram os berços dos monstros...as incubadoras das serpentes...os fornos dos
ditadores.
Perigosa confusão
se faz quando, ao lembrar de Hitler, Mao ou Stalin pensa-se em “ditadura” pois
são todos eles filhos máximos de uma noção doente de democracia. Chegaram ao
poder carregados nos ombros dessa entidade fantasma, desse “ser místico”, que
tudo pode e que tudo justifica: o povo. Nunca, em toda história da humanidade,
depois de 1789 se matou, se prendeu e se torturou tanto quanto em nome desse
conceito aberrante, dessa máxima coletividade cuja força é tão grande que
esmaga qualquer indivíduo.
Dramático é
perceber que tudo que se fez em nome do bem, do belo e do justo espelha-se –
durante toda nossa história – na alma de poucos; não na concordância de muitos
e que dessa confusão demoníaca entre verdade e consenso resulta o caos que
impera na sociedade brasileira.
Em 2003 chegou ao
poder no Brasil a ralé da sociedade. Não se entenda nessa definição que me
refiro às pessoas sem cultura, pobres ou corruptas. Nada disso se restringe ao
nosso país e pouco esclarece no sentido de apontar soluções. Por ralé quero
aqui me reportar àqueles que vivem num mundo onde palavras como honra, dever e
justiça não fazem sentido algum.
Isso é assim não por causa de uma
personalidade formada na pobreza ou psicopatias mimadas por ricos. Digo que
essas pessoas não são imorais, mas amorais e que sua ascensão ao poder só poder
ser entendida num contexto de crise de consciência dos melhores..num sentimento
de culpa inexplicável metodicamente implantado pela mistura mágica de marxismo
com a religião católica.
Nada há que se
pleitear no sentido de mudar uma sociedade que não reconhece mais
diferenças..no sentido de melhorar um mundo em que não se reconhecem méritos e
onde sucesso deve ser motivo de vergonha. Pudéssemos nós todos entender o quão
profundo é o impacto da unanimidade e haveríamos de compreender seu efeito
sobre a política...sobre essa necessidade constante e inerente à condição
humana de mediar conflitos entre os que são diferentes sem fazer da igualdade
de pensamento uma religião.
Digo que, entre a
ditadura mais cruel e a hiperdemocracia petista em que vivemos, nada de
diferente pode sobreviver e que todo pensamento original há de agonizar num
mundo sem espaço para filosofia e onde só impera a morte...a morte da própria
política.
Milton Simon Pires é Médico.
Transcrito do: www.alertatotal.net
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