Luiz Flávio Gomes
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Renan, Cunha, Lula, Fábio Luís Lula da Silva, Collor, Aécio, Cerveró, Delcídio, Esteves, Andrade Gutierrez, Jaques Wagner e Pedro Corrêa,[6] Mauro Marcondes e Luís Cláudio, Odebrecht, OAS, UTC, Camargo Correa, Mendes Júnior, Paulo Roberto Costa, Duque, Youssef, Barusco etc. etc. etc. Se condenados definitivamente, poderiam ser considerados barões ladrões? Quem são os barões ladrões? De que maneira um padre perseguido no século XVII os caracterizou, perante o rei de Portugal? Como eles são conceituados nos EUA? Qual a relação entre os barões ladrões e a cleptocracia brasileira?
O barão ladrão no colonialismo e no neocolonialismo
Uma supimpa definição de barão ladrão (quem rouba pouco é ladrão; quem rouba muito é barão) foi dada pelo Padre Antônio Vieira, em 1655, na cidade de Lisboa, durante seu famoso Sermão do Bom Ladrão (pregado na Capela Real assim como na Igreja da Misericórdia). Padre Vieira, pela sua defesa intransigente dos índios, sempre se indispôs com a ambiência real portuguesa, tendo sido perseguido por esse motivo.
Ressentido, num determinado dia ele saiu de São Luís do Maranhão e, corajosamente, foi até o rei D. João IV para "denunciar" os ladrões barões da sua época (corruptos e bandoleiros), que seriam "os colonizadores e governantes do Brasil que, valendo-se dos seus poderes econômico, financeiro, político ou social, roubavam o país (o rei) escandalosamente". Descrevia, com clareza aguda, os atores da cleptocracia colonialista. Em seu eloquente discurso invocava várias passagens bíblicas (ele sugeria que apenas verbalizava o que estava nas Escrituras).
Na era neocolonialista (a partir de 1822), a cleptocracia passou a retratar uma parceria público-privada composta de agentes do Mercado agentes do Estado brasileiro. Desde essa época, não há como dissociá-los. Há ladrões nas duas instituições (sobretudo se extrativistas). Quando os barões ladrões se reúnem para promover seus "negócios ilícitos ou imorais" (pilhagens ou roubalheiras), nasce a ideia de cleptocracia (Estado dominado e governado por ladrões).
Voltemos a Vieira: o bom ladrão (o ladrão cleptocrata) não é o que furta para comer. "O ladrão que furta para comer não vai nem leva [ninguém] ao Inferno: os que não só vão, mas levam [outros consigo], são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera".
Para o santo Basílio Magno (invocado pelo mesmo autor), "os ladrões [barões] que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis [o Estado] encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos". O enfoque, aqui, é puramente estatal. Ocorre que o conceito de cleptocracia abarca, necessariamente, os barões ladrões do Estado que atuam juntamente com os larápios dos setores podres do Mercado.
Os barões ladrões "roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam; os ladrões grandes enforcam os pequenos; os grandes ladrões querem tirar os outros do mundo, para roubarem eles sós". O pequeno é enforcado, o grande enforca.
São poderosos. "O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os alexandres" (Padre Antônio Vieira).
Alguns desses larápios da coisa pública, que deveriam estar perseguindo os ladrões, são mais criminosos do que eles. Não há desgraça maior no mundo que converter em veneno o remédio ministrado para salvar o paciente (ver A arte de furtar, capítulo IV).
O barão ladrão na tradição norte-americana
Na tradição norte-americana o barão ladrão (Robber baron) também é conhecido como barão gatuno. O termo foi difundido, sobretudo, no século XIX, para se referir aos ricos e poderosos empresários que promoviam a pilhagem e a roubalheira nos seus negócios, para acumular fortunas. Suas explorações incluíam "controlar recursos nacionais; acumular altos níveis de influência no governo; pagar salários extremamente baixos; esmagar a concorrência através da aquisição de rivais, com o objetivo de criar monopólios e, eventualmente, aumentar os preços e criar esquemas para vender ações a preços inflacionados para investidores desavisados " "até acabar por destruir a empresa para a qual o estoque foi emitido, causado o empobrecimento dos investidores".
Não há consenso sobre a origem da expressão, que também era usada na Alemanha no tempo dos senhores feudais (alguns "ladrões" cobravam "pedágio" para que as embarcações aportassem no rio Reno). De qualquer maneira, a locução barão ladrão sempre transmite a ideia de alguém (agente público privado) acumular riqueza de forma ilegal, imoral, antiética e injusta. Ou seja: é o pratica pilhagens e roubalheiras para se enriquecer.
Uma das maiores virtudes da expressão barão ladrão é que ela combina o sentido criminoso (ou explorador) do ato (ladrão) com a aristocracia ilegítima (um barão não faz nenhum sentido em um país republicano). Não é infrequente, de qualquer modo, notar na cleptocracia brasileira um certo "ar" aristocrata (ou seja: a velha "maneira nobre de viver", que significa enriquecer sem trabalhar, na mais fiel tradição de Hernán Cortês, o invasor do México, em 1519). De outro lado, distanciando-se do foco preponderante dado nos EUA, entre nós não há dúvida que o barão ladrão faz parte de uma cleptocracia, que significa Estado governado e dominado por ladrões (públicos ou privados).
O barão ladrão contemporâneo
Que fazem os governantes do Brasil de todas as colorações ideológicas (incluindo evidentemente o lulopetismo) Alianças fisiológicas (toma lá dá cá), dando-se cargos a quem não comprova competência nem merecimento. Assim se rouba às custas do povo. Puro projeto de governo, não de Estado. Não é por acaso que o Brasil é um país semi-fracassado.
Para assegurar a governabilidade também se rouba. O mensalão do PT comprovou isso e mandou para a cadeia José Dirceu, Genoíno, Delúbio, João Cunha, banqueiros, marqueteiros etc. Depois de 512 anos, veio a primeira disrupção. A cleptocracia conheceu o banco dos réus. Alguns barões ladrões prestaram contas para a Justiça.
Miscelaneous sobre o barão ladrão
Um dos aspectos interessantes (no caso dos barões ladrões) é a necessidade de reparação do roubado. Padre Antônio Vieira já tinha cuidado disso: "A salvação não será possível sem se perdoar o pecado e o pecado não pode ser perdoado sem que se restitua o roubado, salvo a absoluta impossibilidade de fazê-lo".
Pela lógica dos gregos clássicos as classes dominantes e governantes deveriam impor um determinado padrão moral para todos; na prática, no entanto, são os ladrões poderosos (como os desvendados na Operação Lava Jato, por exemplo) que estão impondo seus padrões imorais para reger a República (que deveria ser todos, mas é apenas de alguns, das oligarquias; o povo ainda vota nelas).
É só ver o que se passou com a medida provisória 703: as construtoras comprovadamente envolvidas na corrupção da Petrobras, em lugar de restituírem prontamente o que roubaram e cumprirem a lei (anticorrupção), sem se valer dos privilégios decorrentes do seu acesso ao Estado, ao contrário, fizeram editar a citada medida legal (em 18/12/15) para que continuem contratando obras com o poder público. A presidenta enfraquecida já não reúne forçar para vetar as pilhagens dentro da lei.
As Escrituras distinguem Dimas (um ladrão pobre) de Zaqueu (um ladrão rico): Dimas, por ser pobre, é de plano um ladrão condenado; se fosse rico não haveria de chegar nunca à forca; Zaqueu (na narrativa de Lucas 19,2) era um ladrão rico e tolerado e sua mesma riqueza era [e é] a imunidade que tinha para roubar sem castigo e ainda sem culpa[12].
Para o ladrão ladrão, 100 anos de prisão; para o ladrão barão, 500 anos de não punição. Está tudo escrito nas estrelas, ou melhor, nas Escrituras. Os países mais cleptocratas convivem melhor com seus "zaqueus". Mas finalmente se vê algum tipo de reação no "vale das lágrimas". Tanto internacional quanto popular. Daí a força legitimante da Lava Jato, que deve ter o cuidado de agir dentro da lei (leia-se: do Estado de Direito).
Mesmo quando o roubo não é praticado diretamente pelo soberano, o pecado do ladrão barão o alcança e o leva ao castigo eterno, uma vez que "qui non vetat peccare, cum possit, jubet" (quem, podendo, não impede o pecado incentiva o pecado), como teria ensinado o mítico rei gentio Agamenão. Dilma, fechando os olhos para a cleptocracia, seguramente está repetindo a frase de Oscar Wilde, que dizia: "Eu não quero ir para o céu; lá não estão meus amigos".
Luiz Flávio Gomes
Professor
e jurista, Doutor em Direito
Catve.com
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