Fernão Lara Mesquita
Lula
matou a política; Eduardo Cunha tratava de enterrá-la. Um era a exata
contrapartida do outro e a remoção do último, na sequência da quase remoção do
primeiro, completa a reversão do desvio mortal em que o Brasil entrou. Está
reaberto o caminho para a volta da política sem a qual não se vai a lugar
nenhum.
Essas
mudanças são como as manobras dos grandes navios. O acionamento dos comandos
não vence imediatamente a inércia. Está aí, ainda, o cirquinho “silogístico” de
escárnio à inteligência nacional do PT sob a batuta de Jose Eduardo Cardoso,
Gleisi Hoffmann e cia., par perfeito do “regimentismo” bandalho de Eduardo
Cunha; está aí, ainda, aquele STF que solta e arrebenta legalizando para si
mesmo, em plena Lava-Jato, o duto das “palestras” para partes nos litígios que
julga, como as de Lula à Odebrecht, e garantia de segredo para o valor do mimo
recebido. Mas tudo isso, depois da votação de quinta-feira, deslocou-se para
mais perto da porta do passado.
Entrou
ar. E onde entra ar qualquer infecção volta a ter chance de cura. Ha outro STF
dentro daquele STF; ha outra política dentro dessa em que o lulismo transformou
a nossa. O Brasil que não se alinha ao crime volta a ter no que se agarrar e
isso faz muita diferença.
Sem ilusões, porém.
Ha uma
dimensão percebida dos nossos vícios, e outra que já é cultura e nos move por
baixo do nível da consciência. Para a primeira tornam-se mais favoráveis as
perspectivas. Antes de mais nada porque não ha alternativa para o caminho
certo. É agir ou morrer. E logo. Rodrigo Maia tem formação econômica. Sabe que
a alternativa fácil não dobra a esquina. É o homem certo no lugar certo para
reger esse debate. Michel Temer, que se apruma com essa vitória, também passa a
poder, mais que antes, agir certo em vez de apenas falar certo. Assim alterado
o clima, o comando da Comissão de Impeachment bem pode, também, passar a olhar
antes para o Brasil que se esvai manietado e a resistir com alguma galhardia às
manobras espúrias que vem engolindo sem engasgar pois até para o STF será mais
complicado, agora, dançar fora da nova batida do bumbo. Se o Brasil deixar
claro que é o que quer todo mundo se afina, ao menos no discurso. Ou não foi
assim que o país inteiro virou “Lava-Jato desde criancinha” e a votação de
quinta-feira deu no que deu?
A outra
dimensão é que é mais difícil de lidar. O lulismo foi a chegada do primeiro
produto P.O. (“puro de origem”) do peleguismo getulista ao posto mais alto da
Nação. Ao fim de quase 80 anos de uso contínuo essa droga de tão potente efeito
necrosante não ha brasileiro que, direta ou indiretamente, não tenha sido
mutilado por ela. A maioria de nós – o próprio Lula notoriamente – sequer tem
consciência de como foi afetado. Simplesmente não sabe como é viver de outro
jeito.
É juntar
três ou quatro amigos, fundar um “sindicato” que o Estado se encarregará de
impor a um dos lotes do condomínio nacional do trabalho onde não se entra sem
alvará e fincar na veia o cateter do imposto sindical. Para o resto da vida,
tudo que ha a fazer depois disso é não permitir que algum aventureiro o
arranque do seu braço, o que é fácil de garantir desde que as “eleições” se
deem por “aclamação”, sempre arrancável pela intimidação, seja pela negação de
trabalho, seja pela violência física. Daí para a política. É essa a escola.
Para
esmagar resistências ao longo do caminho; para garantir esse “Eu sou, mas quem
não é?” em que tudo se dissolve sempre no debate político nacional desde o “Mensalão”,
acrescentou-se à receita a socialização da corrupção por essa “justiça
trabalhista” que sustenta a legião de profissionais do achaque encarregada de
moer a consciência da Nação soprando diuturnamente, de ouvido em ouvido, o
mantra sinistro: “Minta, traia, falseie que o governo garante”…
E lá se
foi o Brasil dessensibilizando-se até admitir que o método fosse estendido a
todos os níveis do seu sistema representativo – partidos políticos, associações
de classe, ONGs, etc. – e parecesse nada mais que lógico e natural impô-lo,
afinal, como o regime político mesmo da Nação à força de decretos presidenciais
e remendos judicantes sob a égide do “excesso de democracia” à venezuelana.
É essa a
feição “moderna” que assumiu o absolutismo monárquico à brasileira que a
Republica nunca superou depois que entregou intactos os poderes do Imperador
sem mandato aos novos imperadores com mandato. O abacaxi que Michel Temer e o
Congresso de Rodrigo Maia têm de descascar é velho como o Brasil de d. João VI
e os miasmas que dele emanam são fortes o bastante para levar até o “dream team”,
em questão de semanas, a passar das juras de amor eterno ao controle dos gastos
públicos ao namoro com mais um porre de impostos, só que sorvido aos “golinhos”.
É que por baixo das diferenças manifestas nos extremos mais distorcidos do “Sistema”
derrotados quinta-feira, eles continuam sendo, antes e acima de tudo, “A Côrte”;
uma casta para a qual ha leis especiais, tribunais especiais, regimes de
trabalho, salários e aposentadorias especiais e até juros bancários especiais
extensíveis a quem quer que um de seus “excelentes” pares houver por bem
resgatar deste vale de lágrimas. E, de cunhas a grazziotins, “A Côrte” reage
sempre com unanimidade monolítica quando o que está em jogo é montar nas nossas
costas para aliviar as próprias.
É disso
que se trata mais uma vez agora. Tornar as suas prerrogativas um pouco menos “especiais”
para que, explorados e exploradores, sigamos todos com os narizes 1 cm acima da
linha d’água é o melhor que, em sã consciência, pode-se esperar desses
brasileiros dispensados de viver no Brasil que eles próprios criam. Mais, só
quando o Brasil se der conta de que é ele quem manda e adotar finalmente a
democracia, obrigando-os a viver no mesmo país em que vivemos nós, sujeitos às
mesmas leis, aos mesmos ventos e às mesmas tempestades. Aí sim, eles tratarão
de consertá-lo.
VESPEIRO
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