Congresso em Foco
Em meio
às discussões sobre falta de investimentos de valorização dos educadores no
Brasil, uma nova queda de braço tem provocado debates acirrados no Congresso
Nacional, em assembleias legislativas e câmaras municipais e rendido debates
acalorados nas redes sociais e no movimento sindical. É a proposta que institui
a chamada Escola sem Partido (ESP). Nos últimos anos, diversos projetos de lei
se espalharam país afora pretendendo coibir o que os seus autores chamam de
processo de ideologização dentro da sala de aula. Uma das proposições prevê até
previsão de cadeia para docentes.
A
polêmica sobre o assunto é um dos destaques da mais nova edição da Revista Congresso em Foco. Para os defensores da proposta, é
preciso aprová-la para coibir a “doutrinação” que, segundo eles, é promovida
pelos professores sobre os estudantes. Já quem defende a rejeição do projeto vê
no movimento uma tentativa de amordaçar os educadores e de impedir a formação
de cidadãos de fato.
Neutralidade política
Autor do
Projeto de Lei 867/2015, o deputado Izalci Lucas (PSDB-DF) defende a
“neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado, como reconhecimento
da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de
aprendizado”. “Não é mordaça, nada disso do que estão falando, muito pelo
contrário. O que estamos propondo já está na Constituição, só reforçamos a
ideia de pluralismo no ensino brasileiro”. O pluralismo passa longe das salas
de aula, segundo ele.
Izalci
afirma que a ideia não é fiscalizar nem punir ninguém. Para ele, o projeto soa
como espécie de alerta de que o professor não pode nem deve fazer o que quer em
sala de aula. “Não podemos aceitar só o discurso petista, induzindo os alunos,
desde o ensino infantil. E essas crianças influenciam os pais, especialmente em
época de eleições. Queremos a discussão de todas as ideologias, queremos a fala
de todos os partidos”, afirma.
Censura
“Esse
projeto de lei é uma tentativa de censurar o professor”, resume o senador
Cristovam Buarque, deixando claro que existe, sim, doutrinamento nas salas de
aula, o que ele também condena. No entanto, o senador ressalta que a imensa
maioria dos professores não tem partido, o que não justifica a existência de
uma lei dessa natureza.
Cristovam
define o projeto como desproposital, considerando a realidade da educação no
país; e desproporcional, pois, pensando numa minoria, cria constrangimento para
toda a categoria. Diferente do que pensam os adeptos da Escola Sem Partido, o
ex-ministro da Educação argumenta que, pra início de conversa, alunos não são a
parte mais fraca nessa relação.
“Estudantes
não são desprovidos de ideias, pensamentos próprios. E esses raríssimos
professores que tentarem transformar salas de aula em palanques vão se chocar
com aqueles alunos que não aceitam ser manipulados”.
A
reportagem mostra que a primeira iniciativa para instituir a Escola sem Partido
partiu do Legislativo fluminense, com um projeto de lei do deputado estadual
Flávio Bolsonaro, filho do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). O texto do
PL 2.974/2014 proíbe a ideologização partidária na grade curricular e em
materiais didáticos.
Exemplo
mais radical é o PL 1.411/2014, do deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN),
que prevê até pena de prisão para o professor acusado de “assédio ideológico”.
Ou seja, tipifica esse tipo de assédio como crime.
Liberdade ou histeria?
Mentor
do movimento nacional e coordenador do site ESP, o advogado Miguel
Nagib avalia que há uma confusão sobre liberdade de expressão e liberdade de
cátedra. Nagib explica que liberdade de expressão é a liberdade de dizer
qualquer coisa sobre qualquer assunto. E, se o professor desfrutasse disso em
sala de aula, sequer poderia transmitir aos alunos o conteúdo de sua
disciplina, pois poderia passar toda a aula falando de futebol, por exemplo.
“Professor não desfruta e não pode desfrutar da liberdade de expressão no
exercício da atividade docente”, sentencia.
Professor
titular de Metodologia da História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Marcos Silva encara a postura
dos defensores da ESP como “histeria antipolítica”, com graves riscos para a
liberdade. “A independência de pensamento crítico é uma meta fundamental da
escola. E essa meta depende, sim, de professores que trabalham com
independência”, alerta o professor.
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