terça-feira, 19 de julho de 2016

O sucesso da China

Lee Wong

Xangai – Certamente, o maior benefício que o Brasil poderá auferir de sua boas relações com a China é analisar com muito cuidado a evolução da estratégia do desenvolvimento econômico que permitiu àquele país conseguir uma apreciável evolução econômica apesar da grave situação que assola os demais países em desenvolvimento e até os desenvolvidos.

Este impressionante crescimento econômico da China em meio ao generalizado panorama adverso mundial não tem paralelos nos anais da história da civilização humana. Como foi possível que este país tenha conseguido sair de um estado de pobreza que beirava a miséria e passar a ocupar a posição de segunda superpotência econômica mundial em uma espaço de apenas 22 anos e como é que a China consegue manter um desenvolvimento sustentado por tanto tempo, enquanto a crise econômica continua assolando a economia mundial?

Sistema será internacionalmente adotado pelo Cinturão e Rota
Foi em 1974 que o Brasil tomou a histórica decisão de reconhecer a existência de 1/5 da população mundial, quando o governo brasileiro tomou a importante iniciativa de reatar relações diplomáticas com o governo da República Popular da China, que naquela época professava, ainda, uma rígida filosofia política e econômica socialista que deixou o país estagnado por mais de um quarto de século com suas diversas experiências no âmbito de economia política.

Foi naquela época que a histeria da Revolução Cultural apoderou-se o país por quase uma década, quando a liderança política chinesa, à frente Deng Xiao Ping, entendeu que sua responsabilidade maior seria criar um novo processo para o desenvolvimento econômico e social que pudesse trazer o bem-estar para o povo, enquanto o Brasil vivia um período de acelerado crescimento econômico, impulsionado pela poupança externa que permitiu a realização de grandes projetos de infraestrutura.

O Produto Interno Bruto (PIB) chinês naquele período oscilava em torno de US$ 160 bilhões, e suas exportações dificilmente superavam o total de US$ 6 bilhões. Em comparação, na mesma época, o PIB brasileiro atingiu US$ 334 bilhões (preços de 1997), e suas exportações haviam atingido US$ 12 bilhões, superando sobremaneira as chinesas.

Comparação
Após cerca de 20 anos, o Brasil entendeu aquilo que os dados confirmam. A política brasileira de comércio exterior não foi a apropriada para a criação de bem-estar do povo brasileiro. Já a China, conseguiu acumular o maior volume individual de reservas cambiais do mundo, e seu PIB, calculado pela Paridade de Poder Aquisitivo, já superou há muito os US$ 5 trilhões.

Anotem que estas reservas cambiais chinesas são reais e saudáveis, frutos de seu extraordinário sucesso no setor de exportação e de investimentos diretos. As reservas cambiais chinesas não são compostas de “hot money” ou de capital especulativo, alugadas com taxas de juros extorsivos que a qualquer momento podem evaporar, de acordo com a flutuação das taxas de juros ou a instável confiança de financistas internacionais.

O que aconteceu ao longo destas duas décadas para que as posições dos dois países fossem alteradas tão drasticamente? Analisando os planos econômicos implementados na China, e se disso for feita uma comparação analítica com aqueles que foram adotados pelo Brasil, torna-se evidente a razão, pela qual o Brasil perdeu duas décadas de evolução econômica.

Desde os tempos dos fenícios e da Rota de Seda, a fonte de criação econômica das nações é o comércio exterior. Esta fórmula foi adotada pelos Tigres Asiáticos, que atingiram suas metas econômicas e o bem-estar de seus povos. Aliás, o comércio exterior foi a motivação básica para o descobrimento do continente americano, tanto de seu norte, quanto de seu sul. Foi a razão básica da busca de novas rotas de comércio com a Ásia que partiram as esquadras de Portugal e da Espanha. Se não fosse pela necessidade de aumentar o comércio exterior, talvez não teriam existido os EUA ao norte e o Brasil ao sul.

Todos os planos econômicos que em muito desafiavam as leis mais básicas das teorias econômicas foram quase que exclusivamente decretar a estabilidade econômica com uma canetada mágica. A utilização dos instrumentos fiscais e monetários tão bem ensinada pela Escola de Chicago realmente conseguiu sempre assegurar a aparente estabilidade por curto período de duração.

As reformas e as reestruturações da economia necessárias para manter uma suposta estabilidade com aparente bem-estar foram adotadas, embora seus resultados tenham sido sempre duvidosos. O famigerado Custo Brasil, uma das desculpas utilizadas para justificar incompetências e inoperâncias, sempre impediu a competitividade do Brasil para ganhar divisas nos mercados internacionais e continua impedindo até hoje.

Brasil é comprado
As dificuldades que os governos do Brasil tiveram e têm que enfrentar para aprovar o mínimo de reformas necessárias para o embasamento de seus planos de estabilização econômica são bastante conhecidas. A esperança é que todos os governos estejam começando a perceber a importância da teoria “mercantilista”, em vez de tentarem aperfeiçoar a compreensão dos povos sobre a teoria “monetarista”.

Algumas medidas já tomadas deverão ajudar o setor de exportação, mas estão ainda bem aquém daquelas que são necessárias para aquecer o setor de comércio exterior. É necessário mudar urgentemente a mentalidade passiva da época colonial, quando os erros cometidos proibiam exercer o comércio exterior. “O Brasil não se vende, ele é comprado”, sentenciou certa feita um ministro brasileiro de comércio exterior.

Neste quadro de impossibilidade de criar um fluente comércio exterior o Brasil domina muito a Teoria Monetarista do fundador da Escola de Chicago, Milton Freadman, e tornou-se especialista em administração monetária da pobreza que sempre criou, por intermédio do uso de instrumentos monetários e fiscais.

O que China fez?
Enquanto no Brasil discutia-se a implantação de Zonas de Processamento de Exportações, há mais de um quarto de século a China, em 1980, implantou as Zonas Econômicas Especiais em Shenzhen, Shantou e Zhuhai, na província de Guangdong, perto de Hong Kong, e um ano depois implantou a de Xiamen, na província de Fujian, e a da ilha de Hainan, perto de Taiwan. A escolhas da localização geográfica dessas ZEEs não foi casual. A proximidade de Hong Kong atraiu investimentos maiores dos chineses da Região Administrativa Especial da China, que é Hong Kong, a ex-colônia britânica.

Além de capital, o know-how tecnológico, de administração e de design, foram fundamentais para a criação de modernos parques industriais para fabricação de produtos de alta qualidade. Em Xiamen e Hainan, o dinamismo de empresários de Taiwan acelerou – como era esperado – a industrialização e as exportações. Somente o volume das exportações da ZEE de Shenzhen representa 50% do total das exportações da China. Shenzhen, a única Zona Econômica Especial da China que não foi criada em vista da exportação e o ingresso de divisas. Existe para facilitar as despesas para a importação.

A importância que o Governo da China atribuiu ao comércio exterior fez com que o país criasse um Ministério de Comércio Exterior. Todas as províncias e todos os municípios do país têm um secretário de comércio exterior. Além de tudo isso, existe, também, o importante Conselho da China para a Promoção do Comércio Internacional (CCPIT), sediado na capital Beijing, com milhares de subseções e unidades em todas as cidades chinesas. A missão principal desses órgãos é de fomentar, incentivar e educar as indústrias para exportarem e para facilitar o comércio exterior por parte dos empresários.

Como Hong Kong é, também, um entreposto comercial de produtos fabricados na China Continental, o país conta com a larga experiência internacional da Região Autônoma e de sua eficientíssima organização de promoção comercial, a cargo da Hong Kong Trade Development Council (HKTDC). Esta organização possui sucursais nas capitais e principais cidades dos EUA, Europa e América Latina. A HKTDC realiza inúmeras feiras e envia missões comerciais em Hong Kong e no exterior. E seu sistema de busca por empresas e produtos da China funciona com uma eficiência impar.

Sucesso da iniciativa dependerá do fator humano
A iniciativa chinesa Cinturão e Rota, destinada a estimular o desenvolvimento humano comum, necessita superar riscos geopolíticos, culturais e de segurança, considerando que deve atribuir mais importância ao objetivo de ajudar as pessoas e menos ao lucro. O cultivo do talento, um fator chave que transforma os projetos em realidade, depende das relações da China com o mundo.

As reformas e a abertura da China ao longo das últimas décadas aumentou a troca de talentos com o resto do mundo, graças ao número cada vez maior de estudantes chineses estudando no exterior e de engenheiros e administradores trazidos pelas empresas estrangeiras instaladas na China.

Os chineses, particularmente os mais jovens, possuem um conhecimento maior sobre o mundo desenvolvido do que o mundo em desenvolvimento. Por isso, o governo de Beijing, como principal promotor da Iniciativa Cinturão e Rota, procura incentivar os chineses a estudarem mais de perto a história, cultura, economia e religião dos países em desenvolvimento situados ao longo do Cinturão Econômico da Rota de Seda e da Rota de Seda Marítima do Século XXI.

Muitos governos estrangeiros e empresas na China possuem altas expectativas em relação à Iniciativa Cinturão e Rota, mas a maioria tem seus interesses direcionada aos projetos de infraestrutura, comércio e capital. Não parece apresentar grande interesse no que diz respeito à compreensão do povo chinês sobre a situação dos países estrangeiros. Estudar as realidades locais dos países-alvos antes de qualquer outro objetivo é muito importante para as empresas chinesas, porque, se o povo de um país não as acolher, simplesmente, não poderão realizar negócios com esse país.

Mão de obra apta
A China é um país rico em mão de obra instruída e talentosa devido ao rápido crescimento econômico que atravessa nos últimos 30 anos. Em consequência, empresas de capital chinês e com fator competitivo poderão “globalizar-se” em breve, mas o governo não pode coordenar seus recursos humanos de modo a conseguir que todos esses projetos sejam bem-sucedidos.

Isto significa que algumas pessoas que possuem conhecimento e habilidade necessários para impulsionar muitos projetos ao sucesso não podem participar deles, e alguns daqueles encarregados de liderança dos projetos poderão não ser os mais indicados para a função.

Embora algumas universidades tenham criado institutos para o Cinturão e Rota, e alguns think tanks tenham iniciado investigações sobre a iniciativa, poucos realizam estudos aprofundados que possibilitem a previsão dos resultados. E uma vez que a maioria de suas conclusões não é apoiada por dados em primeira mão, assim como por investigação profissional na economia e política inter-regional, não possui muito valor para os elementos decisores.

ior, ainda, são alguns “especialistas famosos” que usam os veículos de comunicação, mas sem sólidos conhecimentos geopolíticos e econômicos que surgem frequentemente, influenciando as decisões das autoridades e desviando a atenção da opinião pública dos assuntos, realmente, cruciais.

Banco de cérebros
A China está encorajando suas universidades, escolas para membros partidários, funcionários públicos, institutos militares e think tanks a construírem uma reserva de talentos, que possua sólidos conhecimentos sobre a iniciativa Cinturão e Rota.

Realmente, a formação de uma reserva de talentos com sólidos conhecimentos também sobre os países-alvos é rigorosamente necessária, porque sem uma compreensão aprofundada das realidades será extremamente perigoso investir enormes volumes de recursos estratégicos naqueles países. A criação deste “banco de cérebros” no país poderá evitar à China muitos problemas em território internacional.

Além disso, as trocas interpessoais com os países-alvos deverão ser aumentadas de forma a atrair mais estudantes e especialistas a estudarem e trabalharem na China. Isto poderá aprofundar o entendimento e interesse mútuos.

A rapidez com a qual a iniciativa Cinturão e Rota poderá ser realizada dependerá da vontade política dos governos nos países-alvos. A potencial dimensão da iniciativa dependerá do fluxo de capital e tecnologia. No entanto, o seu sucesso será, a longo prazo, decidido pelo fator humano.

Por Lee Wong - Sucursal do Sudeste Asiático.


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