Deutsche
Welle
Sistema
híbrido entre presidencialismo e parlamentarismo, similar ao adotado na França,
está em discussão no Senado. Parlamentares veem modelo como saída para
instabilidade política, mas especialistas criticam proposta.
A instalação de um sistema semipresidencialista no Brasil, num regime similar ao adotado em países como França e Portugal, é defendida por seus patrocinadores no Senado como uma possível saída para atual crise política – seja em caso de impeachment da presidente Dilma Rousseff ou da manutenção dela no poder até 2018.
A proposta, porém, é criticada por cientistas políticos, que não veem na medida uma resposta eficaz para solucionar a crise. Articulada pelo presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) e o senador José Serra (PSDB-SP), ela está em debate numa comissão especial da Casa, criada na última semana.
O regime político seria um híbrido entre o presidencialismo e o parlamentarismo. O presidente é eleito pelo voto popular e compartilha a chefia do Executivo com o primeiro-ministro, que é nomeado com o aval do Congresso. O premiê é responsável pelas atividades de governo e pela relação com o Legislativo e os ministros de Estado. Ao mesmo tempo, o presidente tem uma postura ativa e deixa de ficar reservado a um papel protocolar, como ocorre no parlamentarismo.
Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, uma mudança de regime em meio à instabilidade política não pode ser apresentada "como cura para os males atuais". "No contexto de hoje, mudar o sistema de governo é suicídio político", opina Fernando Filgueiras, da Escola Nacional de Administração Pública, em Brasília.
Para analistas, a crise atual depende muito mais de acordos institucionais e de uma reforma política ampla, do que criar duas estruturas de poder com a figura do presidente e do primeiro-ministro.
"O modelo presidencialista atual está esgotado e há, claro, muitas críticas, mas ainda não existe um consenso sobre qual seria o remédio. Um semipresidencialismo com o sistema partidário que temos é ineficaz", observa Marco Antônio Carvalho Teixeira, cientista político da FGV-SP.
Para funcionar, esse tipo de regime político precisa contar com partidos sólidos e "democráticos", opina o especialista: "Os partidos no Brasil, já são 36, são oligarcas e têm pouquíssima conexão com a sociedade. Esse sistema requer um número reduzido de organizações partidárias que sejam mais críveis e tenham maior identidade social."
Modelo importado
A ideia dos senadores é adaptar o semipresidencialismo adotado em alguns países europeus. Na França, o regime está em vigor desde 1958, quando foi redigida a Constituição da Quinta República francesa. A medida pôs fim ao regime parlamentarista, que foi marcado por forte instabilidade política. A fragmentação entre as legendas diminuiu com um reagrupamento partidário polarizado entre grandes correntes.
Gaspard Estrada, analista político do Observatório Político da América Latina e do Caribe do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po), explica que a dualidade do Executivo característica do semipresidencialismo, dividido entre as chefias de Estado e de governo, cria dificuldades no comando e na comunicação, mas provou ser um regime mais aceito.
"Desde 2001, quando houve novas reformas, os franceses consideram o presidente como o responsável por dar conta das decisões do governo, não o primeiro-ministro. O mandato do presidente fica preservado e não cabe a hipótese de impeachment", diz. "Já no Brasil a questão não é mudar o regime, mas o sistema político. É preciso mudar a estrutura de partidos e aplicar outros pontos da reforma política que não saem do papel por causa dos grandes interesses em jogo."
O Brasil adota o regime presidencialista desde a proclamação da República, em 1891. O sistema parlamentarista chegou a ser adotado em 1963, durante o governo de João Goulart, como estratégia para reduzir os poderes do presidente. Pouco mais de um ano depois, o sistema foi revogado por um plebiscito. A crise política culminou no Golpe de 1964.
"Não podemos ficar mudando o sistema de governo aos sabores de crises", observa Filgueiras. "O resultado foi iniciar uma ditadura numa condição de total ingovernabilidade, destruindo a democracia."
Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apoia a instalação de um sistema semipresidencialista no Brasil. A entidade argumenta que o presidencialismo abre brechas para graves crises institucionais, como a atual. Sem apoio da população e maioria no Congresso, um governo não consegue se manter, diz o órgão.
O presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ressalta que o semipresidencialismo evita "reiterados pedidos de impeachment".
"A presidência fica preservada de eventuais crises, como a de legitimidade, que é superada pela destituição do primeiro-ministro e seu conselho", afirmou em evento da entidade.
Mais poder para quem?
No semiparlamentarismo, o presidente não pode ser substituído durante o mandato, a não ser que seja alvo de um processo de impeachment. Já o primeiro-ministro pode ser trocado a qualquer momento, até mesmo por razões políticas.
Os defensores da proposta argumentam que o regime é uma saída mais ágil em tempos de crise. Em caso de desavenças e desacordo com a vontade popular, a chefia de governo ou o Parlamento podem ser alterados, já que há mecanismos que permitem a convocação de novas eleições legislativas.
"Casos de países que foram bem sucedidos com a mudança de regime político para o parlamentarismo ou semipresidencialismo são raríssimos", pontua Anthony Pereira, diretor do Instituto de Estudos Brasileiros do King's College, em Londres. "A França é com certeza um dos poucos."
Filgueiras pondera, no entanto, que, se implantado no Brasil, o semipresidencialismo daria ainda mais poder aos congressistas. "Mesmo onde o Congresso, no nosso presidencialismo de coalizão, tem poderes para atuar na administração pública, ele se nega e se omite", critica. "O Congresso poderia fazer muito mais no campo da avaliação das políticas públicas, no monitoramento das ações de governo, mas não faz. Simples assim."
Segundo o cientista político, criar um sistema semipresidencialista vai fragilizar ainda mais a democracia. "Um cenário de crise política como o nosso não é uma condição suficiente para dizer que o sistema presidencialista está esgotado. No contexto de uma crise como essa, uma mudança sistêmica dessa natureza traz mais instabilidade."
A instalação de um sistema semipresidencialista no Brasil, num regime similar ao adotado em países como França e Portugal, é defendida por seus patrocinadores no Senado como uma possível saída para atual crise política – seja em caso de impeachment da presidente Dilma Rousseff ou da manutenção dela no poder até 2018.
A proposta, porém, é criticada por cientistas políticos, que não veem na medida uma resposta eficaz para solucionar a crise. Articulada pelo presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) e o senador José Serra (PSDB-SP), ela está em debate numa comissão especial da Casa, criada na última semana.
O regime político seria um híbrido entre o presidencialismo e o parlamentarismo. O presidente é eleito pelo voto popular e compartilha a chefia do Executivo com o primeiro-ministro, que é nomeado com o aval do Congresso. O premiê é responsável pelas atividades de governo e pela relação com o Legislativo e os ministros de Estado. Ao mesmo tempo, o presidente tem uma postura ativa e deixa de ficar reservado a um papel protocolar, como ocorre no parlamentarismo.
Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, uma mudança de regime em meio à instabilidade política não pode ser apresentada "como cura para os males atuais". "No contexto de hoje, mudar o sistema de governo é suicídio político", opina Fernando Filgueiras, da Escola Nacional de Administração Pública, em Brasília.
Para analistas, a crise atual depende muito mais de acordos institucionais e de uma reforma política ampla, do que criar duas estruturas de poder com a figura do presidente e do primeiro-ministro.
"O modelo presidencialista atual está esgotado e há, claro, muitas críticas, mas ainda não existe um consenso sobre qual seria o remédio. Um semipresidencialismo com o sistema partidário que temos é ineficaz", observa Marco Antônio Carvalho Teixeira, cientista político da FGV-SP.
Para funcionar, esse tipo de regime político precisa contar com partidos sólidos e "democráticos", opina o especialista: "Os partidos no Brasil, já são 36, são oligarcas e têm pouquíssima conexão com a sociedade. Esse sistema requer um número reduzido de organizações partidárias que sejam mais críveis e tenham maior identidade social."
Modelo importado
A ideia dos senadores é adaptar o semipresidencialismo adotado em alguns países europeus. Na França, o regime está em vigor desde 1958, quando foi redigida a Constituição da Quinta República francesa. A medida pôs fim ao regime parlamentarista, que foi marcado por forte instabilidade política. A fragmentação entre as legendas diminuiu com um reagrupamento partidário polarizado entre grandes correntes.
Gaspard Estrada, analista político do Observatório Político da América Latina e do Caribe do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po), explica que a dualidade do Executivo característica do semipresidencialismo, dividido entre as chefias de Estado e de governo, cria dificuldades no comando e na comunicação, mas provou ser um regime mais aceito.
"Desde 2001, quando houve novas reformas, os franceses consideram o presidente como o responsável por dar conta das decisões do governo, não o primeiro-ministro. O mandato do presidente fica preservado e não cabe a hipótese de impeachment", diz. "Já no Brasil a questão não é mudar o regime, mas o sistema político. É preciso mudar a estrutura de partidos e aplicar outros pontos da reforma política que não saem do papel por causa dos grandes interesses em jogo."
O Brasil adota o regime presidencialista desde a proclamação da República, em 1891. O sistema parlamentarista chegou a ser adotado em 1963, durante o governo de João Goulart, como estratégia para reduzir os poderes do presidente. Pouco mais de um ano depois, o sistema foi revogado por um plebiscito. A crise política culminou no Golpe de 1964.
"Não podemos ficar mudando o sistema de governo aos sabores de crises", observa Filgueiras. "O resultado foi iniciar uma ditadura numa condição de total ingovernabilidade, destruindo a democracia."
Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apoia a instalação de um sistema semipresidencialista no Brasil. A entidade argumenta que o presidencialismo abre brechas para graves crises institucionais, como a atual. Sem apoio da população e maioria no Congresso, um governo não consegue se manter, diz o órgão.
O presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ressalta que o semipresidencialismo evita "reiterados pedidos de impeachment".
"A presidência fica preservada de eventuais crises, como a de legitimidade, que é superada pela destituição do primeiro-ministro e seu conselho", afirmou em evento da entidade.
Mais poder para quem?
No semiparlamentarismo, o presidente não pode ser substituído durante o mandato, a não ser que seja alvo de um processo de impeachment. Já o primeiro-ministro pode ser trocado a qualquer momento, até mesmo por razões políticas.
Os defensores da proposta argumentam que o regime é uma saída mais ágil em tempos de crise. Em caso de desavenças e desacordo com a vontade popular, a chefia de governo ou o Parlamento podem ser alterados, já que há mecanismos que permitem a convocação de novas eleições legislativas.
"Casos de países que foram bem sucedidos com a mudança de regime político para o parlamentarismo ou semipresidencialismo são raríssimos", pontua Anthony Pereira, diretor do Instituto de Estudos Brasileiros do King's College, em Londres. "A França é com certeza um dos poucos."
Filgueiras pondera, no entanto, que, se implantado no Brasil, o semipresidencialismo daria ainda mais poder aos congressistas. "Mesmo onde o Congresso, no nosso presidencialismo de coalizão, tem poderes para atuar na administração pública, ele se nega e se omite", critica. "O Congresso poderia fazer muito mais no campo da avaliação das políticas públicas, no monitoramento das ações de governo, mas não faz. Simples assim."
Segundo o cientista político, criar um sistema semipresidencialista vai fragilizar ainda mais a democracia. "Um cenário de crise política como o nosso não é uma condição suficiente para dizer que o sistema presidencialista está esgotado. No contexto de uma crise como essa, uma mudança sistêmica dessa natureza traz mais instabilidade."
Brasil
Soberano e Livre
Comentário do blog: é incrível a
capacidade dos nossos políticos de tapar o sol com a peneira. Para eles,
qualquer regime ou sistema serve, desde que não percam nenhuma das suas
sinecuras.(MBF)
Nenhum comentário:
Postar um comentário