quarta-feira, 23 de março de 2016

Abaixo o Foro Privilegiado

Instituto Liberal

A nomeação do ex-presidente Lula, investigado pela Lava Jato, para Ministro da Casa Civil e a conversa entre ele e a presidente Dilma por meio de escuta telefônica reacenderam o debate sobre o foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado.

O instituto jurídico foi contemplado inicialmente pela Constituição de 1824, quando se conferia ao Senado competência para conhecer dos delitos individuais praticados pelos membros da Família Real, Ministros, Conselheiros, Senadores e Deputados. Para muitos, representa uma garantia à prática de atos de administração pública, legitimados pela soberania popular.

Porém, de lá para cá, o instituto não apenas se manteve, como se ampliou, chegando atualmente a cerca de 20.000 políticos com direito ao benefício, a partir de dezenove hipóteses do privilégio (arts. 29, X; 102, I, b e c; 105, I, a; e 108, I, a 7 da Constituição Federal).



Esse instituto jurídico permite que ações penais contra determinadas autoridades tramitem nos tribunais, e não nos juízos de primeira instância.
Assim, um cidadão que se eleja prefeito, deputado federal e governador, (comum em políticos de carreira) faz um eventual processo ser remetido do Tribunal de Justiça para o Supremo Tribal Federal – STF – e, em seguida, para o Supremo Tribunal Justiça – STJ. Tudo isso produz investigações fragmentadas, prescrição e impunidade.

Para se ter ideia, entre os anos de 1988 e 2007, estudo da Associação dos Magistrados Brasileiros demonstrou que nenhuma, das 130 ações criminais iniciadas no STF contra autoridades que tem o foro privilegiado, resultou em condenação. A primeira veio após mais de um século da criação da corte (!); já no STJ, desde 1989, quando foi criado, tramitaram 483 ações penais, das quais apenas 5 condenações. Um verdadeiro show de impunidade.

Vale ressaltar, que em constituições de outros países admitem o instituto, todavia, em nenhum deles com a amplitude consignada no Brasil. Nos Estados Unidos não há prerrogativa de função e o então presidente americano Bill Clinton, quando acusado de assédio sexual, foi julgado por um juiz de 1º grau, por exemplo.

O Ministro do STF Luís Roberto Barroso já manifestou-se a favor de uma reforma: “trata-se de uma reminiscência aristocrática genuinamente nacional, sem réplicas de abrangência comparável em outras democracias”. Ele defende que apenas o presidente da República e o Vice, os presidentes do Senado, da Câmara e do STF, e o procurador-geral da República deveriam conservar o foro especial no STF.

Salienta-se que o foro privilegiado é uma oportunidade para verdadeiras malandragens jurídicas, permitidas por lei: há os que procuram se eleger para mudar a competência do órgão que vai julgá-los, que passa do primeiro grau para o STF; há quem deixa de se candidatar, depois de processado no STF, a fim de fazer o processo baixar para sua área de influência; há os que renunciam ao mandato no último segundo buscando manipular o sistema e alterando o órgão competente para julgamento, como tentou Natan Donadon (na oportunidade, o STF entendeu que houve abuso de direito e fraude processual, pois a renúncia visava retirar os juízes naturais de seu processo, sendo o ato administrativo nulo. STF. Plenário. AP 396/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 28/10/2010).

A nomeação de Lula com a finalidade de não ser julgado pelo juiz natural da demanda é uma evidente tentativa de fraude processual, algo não apenas repugnante, mas desmoralizante para as instituições. Sobre o caso, recomenda-se esse artigo de Vladimir Passos de Freitas e esse outro de Ilan Presser.

Por fim, o foro por prerrogativa de função desafia o senso comum de Justiça por tratar de forma diferente determinadas pessoas, algo que fere a isonomia, sendo algo totalmente anti-republicano. Nesse sentido, há quem defenda sua inconstitucionalidade por “viola(r) frontalmente o Estado Democrático que tem por alicerce a igualdade”.

Longe de representar uma prerrogativa de defesa e preservação funcional da autoridade objetivo para o qual foi originalmente concebido, o instituto do foro privilegiado, ao longo da história, tem se transfigurado em um inconcebível privilégio, vez que tem sido recorrentemente utilizado como instrumento de preservação da impunidade por agentes políticos e servidores públicos, em diferentes esferas e Poderes do Estado.

Em um país que quer verdadeiramente combater a corrupção, é necessária a eliminação do foro privilegiado. Ademais, precisamos de um Poder Judiciário mais efetivo e eficiente, pois é a celeridade em decisões punitivas que diminuem a noção de impunidade da população. 


Comentário do blog:  através do “change.org”, criei um abaixo-assinado pedindo apoio para que o Congresso Nacional discutisse o fim do Foro Privilegiado. O retorno foi pífio, tanto que estou pedindo ao site encarregado, que retire o abaixo-assinado da internet.
Ou poucos sabem do que se trata, ou estão de acordo com os privilégios.

Neste nosso país do jeitinho, onde o sonho de consumo de grande parte da população é conseguir ser funcionário público concursado, para ter emprego sem trabalho ou pouco trabalho, mas ser regiamente pago, além de indemissível (Lei Imperial para garantir as sinecuras dos membros da Corte), e, se não passar no concurso, ser pelo menos “introduzido” na folha de pagamento de qualquer setor público (aí sim só pelo emprego, pouco importando que não haja trabalho), pelo político amigo, até não é de estranhar que não se queira abolir privilégios, pois se abolir agora, pode fazer falta amanhã.

É lamentável observar que só se queira impinchar a Dilmona (que merece sim ser mandada para casa mais cedo), sem mais preocupações com o dia seguinte.

É lamentável observar, que propostas para um novo amanhã para o país, nem sequer sejam levadas em conta. Agora, se propor uma discussão ou um abaixo-assinado sobre quem deve cair fora do BBB, chovem participações.

Repudio a frase do escritor e diplomata Frances Joseph de Maistre, que o povo tem o governo que merece, mas as vezes fico em dúvida.

Um país ancorado num sistema político podre como o nosso, não tem futuro. E, se depender dos nossos “políticos”, não muda nunca. Para eles está muito bom como está: roubam e deixam roubar. Se depender do povo, parece que também não vai mudar.(MBF).



Nenhum comentário: