quarta-feira, 29 de junho de 2016

Sem vetos, lei das Estatais vai comprometer o desempenho das empresas e tumultuar o mercado

Fátima Xavier

O texto final do projeto de lei que trata das empresas estatais e foi enviado pelo presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), para sanção do presidente em exercício Michel Temer, está sendo considerado por especialistas como “uma colcha de retalhos incompleta e mal acabada”. Da forma que foi redigido e se for sancionado sem vetos, o futuro estatuto jurídico das estatais, “vai tumultuar o mercado, aumentar as disputas judiciais e comprometer o desempenho das empresas”. Temer tem até o dia 12 de julho para resolver o imbróglio.

Para Aires Hypolito, ex-diretor do Banco do Brasil, do Banco de Brasília (BRB) e ex-presidente do Cartão BRB, o projeto de lei aprovado no Senado aborda diversos temas que estão consolidados em mais de 400 páginas de leis e inúmeras instruções normativas e as reduz a 40 sem compatibilizar as mudanças propostas com as leis atuais. O texto colide em vários pontos com as leis de Licitação, das empresas de capital aberto (S.A.) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O texto, segundo o ex-diretor do BB, colide em vários pontos com a Lei das Licitações (8.666/93 e IN 04), com a Lei das S.A. ou das empresas de capital aberto (Lei 6.404/76), com a lei de criação da CVM – Comissão de Valores Mobiliários (6.385/76), além de afrontar outros normativos e jurisprudência já consolidada. 


No quadro ao lado é possível conferir as questões conflitantes do PLS nº 555/2015 identificadas por Hypolito, que também é conselheiro de administração com certificado do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Se, por um lado, o projeto de lei é muito elogiado por proibir indicações políticas e determinar quarentena para novos dirigentes das empresas estatais depois do rumoroso escândalo da Petrobras, o resultado da tramitação da matéria na Câmara e no Senado Federal sugere mesmo a costura de uma colcha de retalhos quando a ideia era propor práticas de governança e controles de riscos dos negócios realizados por essas empresas.

Tramitação
O novo estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias foi resultado dos trabalhos de uma comissão mista criada no ano passado por iniciativa do presidente do Senado e do presidente afastado da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Da comissão saiu como o PLS 555/2015, substituído por um novo texto do senador Tasso Jereissati (PSDB/CE) ao incluir parte das 98 emendas apresentadas em plenário pelos senadores.

Aprovado, o projeto de lei do Senado foi encaminhado à Câmara dos Deputados. Lá, o processo se repetiu e o projeto foi mais uma vez desfigurado com um substitutivo, redigido agora sobre as emendas de plenário apresentadas pelos deputados e acatadas pelo deputado Arthur Maia (PPS-BA). A elogiada proibição de indicações políticas para cargos de direção das estatais e a quarentena foram descartadas. A matéria voltou ao Senado.

No Senado, o texto da Câmara é rejeitado e, mais uma vez, um novo substitutivo é aprovado, reintroduzindo a proibição de indicações políticas e a quarentena. Do texto da Câmara, foram mantidos apenas o § 1º do Artigo 4, o caput do Artigo 17 e a alínea C do inciso 1 do mesmo Artigo 17. A matéria na forma do terceiro substitutivo, aprovada pelo Senado, é que foi encaminhada por Calheiros para a sanção presidencial no último dia 22.

IBGC
Em entrevista concedida ao jornal Valor e publicada no último domingo, o presidente do Conselho de Administração do IBGC, Emilio Carazzai, também sugeriu uma lista de artigos que, acredita, deveriam sofrer vetos do presidente Temer. Ele disse que o acervo do conhecimento do IBGC o permite afirmar que as medidas incluídas no novo estatuto estão longe de evitar más práticas das empresas e critica os dispositivos que abrem espaço para que os poderes executivos de União, Estados e Municípios criem outras regras de governança para as estatais.

Carazzai afirmou que o número mínimo de sete conselheiros de administração para cada estatal é excessivamente elevado (atualmente, o mínimo exigido é de três conselheiros, mais do que isso, numa empresa pequena, só vai onerar o custo gerencial); criticou a restrição da indicação para o conselho de profissionais não ligados ao setor público; e a atribuição ao conselho e não à diretoria, do papel de implementar sistemas de gestão de riscos. Ele questionou os artigos que se referem à definição de conselheiros eleitos por acionistas minoritários e empregados como “representantes” dessas classes, contrariando o princípio da Lei das S.A.: “todo conselheiro deve defender os interesses da companhia e não o de quem o indicou para o cargo”.

O instituto, ainda segundo o Valor, sugere que o projeto “promova o registro de todas as estatais na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), submetendo-as à Lei das S.A. e à da CVM (Leis 6.404 e 6.385, respectivamente) e também elimine completamente o capítulo que trata de contração de fornecedores por sobrepor-se à Lei 8.666, que já disciplina o tema, sem oferecer benefícios claros.

O IBGC é uma organização sem fins lucrativos e a principal referência no Brasil para o desenvolvimento de melhores práticas de governança corporativa. Está ligado à Global Reporting Initiative (GRI) e integra a rede de Institutos de Gobierno Corporativo de Latino América (IGCLA) e o Global Network of Director Institutes (GNDI), grupo que congrega institutos relacionados à governança e conselhos de administração de diversos países.

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