Raul Velloso
Além de desarrumar suas contas, seja
por aumentos exagerados de gastos, seja por desonerações tributárias
ineficazes, a União acabou induzindo um novo ciclo de desajuste das contas das
esferas subnacionais, que hoje se agrava pela recessão.
As experiências variam muito, mas,
basicamente, os estados brasileiros foram instados, a partir de 2012, a
ingressar num novo ciclo de endividamento, fundamentalmente com base em
dinheiro captado pela União no mercado financeiro e canalizado através de
bancos oficiais. Essa nova onda ascendente se contrapôs a um longo período em
que o endividamento estadual era fortemente controlado, levando à geração de
razoáveis resultados fiscais primários (ou seja, antes de contabilizar juros) e
a uma expressiva queda da razão entre a dívida desses entes e suas receitas.
Lideranças políticas precisam se
libertar dos impasses atuais e encontrar os caminhos para nos tirar desse caos
financeiro
Já no novo ciclo, os superávits
viraram déficits primários, puxados pelos gastos de pessoal, e as dívidas
voltaram, obviamente, a subir relativamente às receitas.
A União poderia simplesmente ter
mantido o antigo sistema de controle em pé, criado especialmente depois da
última grande renegociação de dívidas estaduais, quando bastava deduzir das
transferências automáticas por repartição de receitas os pagamentos das dívidas
renegociadas, garantindo que esses pagamentos acontecessem. No mais, era só
controlar a concessão de empréstimos, cuja autorização o Senado havia delegado
ao Ministério da Fazenda.
A desculpa para fugir do padrão
anterior era, agora, a necessidade de reativar a economia, ou compensar os
entes pelas perdas decorrentes da desoneração de tributos incidentes sobre
certos segmentos privilegiados cujas receitas eram compartilhadas com eles. O
governo não quis ver que, sob o modelo econômico errado que adotava, a economia
iria à frente desacelerar — e, assim, piorar as coisas do lado fiscal.
Em poucos anos, o aumento do
endividamento estadual foi brutal. O efeito da derrama de empréstimos fáceis
nas mãos dessas entidades começou a se mostrar nos balanços estaduais a partir
de 2012, quando as operações de crédito atingiram 4,5% do total das receitas
não financeiras, em contraste com a média de 1,5% daquela variável na fase
2002-2012. Em 2013, esse número cresceu para 5,8% e fechou 2014 em 5% do total
das receitas primárias.
O novo ciclo não se tratou de um
movimento posterior aos estados terem levado a Brasília uma relevante e
expressiva carteira de investimentos com vistas a obter financiamento. Era mais
no sentido oposto. Ou seja, o dinheiro dos bancos oficiais, em grande medida
oriundo da colocação de dívida mobiliária federal junto aos mercados financeiros,
era oferecido aos entes, e só depois viria a decisão do uso que seria dado aos
recursos. Apertados pelo efeito depressivo das desonerações dos tributos
federais sobre as transferências automáticas recebidas da União, o que foi
posteriormente reforçado pela própria desaceleração da economia, os
governadores saudaram euforicamente a bonança. Só que, agora, muitos estão com
contas elevadas de pessoal para pagar, Levy cortou a liberação de empréstimos,
e a recessão jogou a arrecadação no chão.
Ou seja, o pior é que parte desses recursos foi, direta ou
indiretamente, desviada para a ampliação de gastos de pessoal, em vez de
investimentos. Daí, dois resultados desastrosos
dessa incompreensível mudança. O primeiro foi o fato de que os investimentos
passaram a ser financiados não mais por fluxos crescentes de poupança pública,
que vinham ocorrendo mas agora passaram a cair, e sim por meio do aumento do
endividamento.
O segundo foi que houve uma verdadeira corrida das
corporações de servidores aos cofres públicos, que tentaram emplacar, junto a
governos fracos, novas vantagens pecuniárias, aproveitando a maior folga
financeira. E o pior é que muitos dos reajustes salariais concedidos só estão
tendo efeito neste e, talvez, nos próximos exercícios.
Assim, o Brasil se debate com uma
crise que foi gerada basicamente aqui dentro, a partir de decisões equivocadas
da instância federal, que promoveram tanto aumentos exagerados de gastos como
quedas desnecessárias de receitas. De lá, foi só um passo chegar às demais esferas
de governo, algo que a União não quis ou não teve forças para evitar. Agora que
a economia entrou numa das maiores recessões dos últimos tempos, sem caminho
claro de saída, explicam-se os desequilíbrios financeiros pelo desabamento das
receitas tributárias, mas nos estados os problemas claramente começaram antes.
Pelas óbvias dificuldades de criar
novas receitas, só resta cortar o que dá, e isso acaba sendo insuficiente e
recaindo onde não deveria, ou seja, nos investimentos. Ou, então, nos casos mais
complicados de alguns estados, diante de um buraco financeiro gigantesco,
recorrer ao velho recurso de atrasar o pagamento de salários, item de maior
peso na pauta.
Por essas e por outras é que as
lideranças políticas precisam se libertar dos impasses atuais e encontrar os
caminhos para nos tirar desse caos financeiro, matéria para outro artigo.
O Globo
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