Miguel Nagib
O sistema educacional brasileiro é como um
edifício gigantesco, cujas estruturas foram corroídas de alto a baixo por
cupins ideológicos. De vez em quando, desaba uma parede ou uma laje, e o
estrondo acaba chamando a atenção do grande público.
O último desabamento foi provocado pela
proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Dias atrás, o historiador
Marco Antonio Villa demonstrou, em artigo publicado no jornal O Globo,
que, se a proposta do MEC for aprovada, os estudantes brasileiros que quiserem
aprender alguma coisa sobre o antigo Egito, a Mesopotâmia e a Grécia; o Império
Romano e o nascimento do cristianismo; a Idade Média, o Renascimento, a
Revolução Industrial e até mesmo a Revolução Francesa serão obrigados a se
virar por conta própria. Na sala de aula, terão de estudar os mundos
ameríndios, africanos e afrobrasileiros; interpretar os movimentos sociais
negros e quilombolas; valorizar e promover o respeito às culturas africanas e
afroamericanas. É um assombro.
Menos comentada, mas não menos importante, é a
presença da famigerada ideologia de gênero. Como já se adivinhava, a
perspectiva de gênero – cuja inclusão, nos planos de educação, foi rejeitada de
maneira veemente pela quase totalidade das nossas casas legislativas –
atravessa toda a proposta do MEC.
Mas não é disso que se vai tratar neste artigo.
O que nos interessa, aqui, é saber a quem cabe aprovar tal proposta.
A existência da BNCC está prevista na
Constituição, desde 1988; e na LDB, desde 1996. Só em 2014, porém, o Congresso
resolveu tirá-la do papel; e, ao fazê-lo, determinou que uma proposta,
elaborada pelo MEC, fosse encaminhada ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Portanto, é a esse
órgão do Poder Executivo, composto por 24 integrantes nomeados pelo presidente
da República, que caberá a palavra final sobre a BNCC. Ou seja: o futuro da
educação brasileira será decidido por duas dúzias de professores e burocratas
nomeados pelo governo do PT.
Ora, por mais ilibada que seja a reputação
desses conselheiros e relevantes os serviços por eles prestados à educação – no
juízo de quem os nomeou, obviamente –, a atribuição desse poder descomunal ao
CNE definitivamente não combina com as noções mais elementares de autogoverno e
democracia.
A quem prestam contas esses servidores, afinal?
Ao povo que não é; ou não teriam emitido, no ano passado, uma nota pública de
censura endereçada às assembleias legislativas e às câmaras de vereadores – e,
implicitamente, também ao Congresso Nacional – por haverem excluído a ideologia
de gênero dos planos estaduais e municipais de educação; nem declarado, na
mesma nota, em tom de desafio, que as Diretrizes Nacionais de Educação, a serem
por eles elaboradas, estarão “voltadas para o respeito à diversidade, à
orientação sexual e à identidade de gênero” – donde se conclui, senhores
deputados e senadores, que, se depender do CNE, “vai ter gênero” na BNCC.
Não é possível que seja assim. Numa democracia,
se alguém deve ter o poder de decidir o que é que dezenas de milhões de
indivíduos serão obrigados a estudar ao longo da sua vida escolar, que seja o
parlamento, e não um punhado de agentes públicos indicados pelo chefe do
Executivo. Cabe, pois, ao Congresso Nacional chamar a si, o quanto antes, essa
imensa e histórica responsabilidade.
Gazeta do Povo
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