terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A bomba norte coreana

Mario Vargas Llosa

A comunidade internacional tem a obrigação de atuar para acabar com o regime de Kim Jong-um, que se converteu em um risco para o resto do planeta


Há uns dez anos, comecei a ler um livro apaixonante, mas abandonei a leitura após poucas páginas porque era, ao mesmo tempo, aterrador. Havia sido escrito por um grupo de cientistas que, após estabelecer, até onde foi possível, o número de armamentos nucleares que povoam o planeta – deve ter aumentado no tempo transcorrido –, explicava as possíveis consequências para o mundo se, por um ato de loucura ideológica ou um mero acidente, esses artefatos de destruição em massa começassem a explodir.

As cifras eram horripilantes, tanto em número de mortos e feridos como em poluição do ar, das águas, da fauna e da flora, a tal ponto que, cedo ou tarde, poderia decorrer desse processo a extinção de toda forma de vida no astro que habitamos.


Se isso for correto, e suponho que seja, não é incompreensível que um assunto tão relevante – a preservação da vida – só chame a atenção do público muito de vez em quando? Por exemplo nesta semana, quando Kim Jong-un, o patológico sátrapa da Coreia do Norte, anunciou que, celebrada por toda a população norte-coreana, acaba de fazer explodir sua primeira bomba de hidrogênio. Os técnicos dos Estados Unidos e da Europa se apressaram em dizer que esse anúncio foi exagerado, que a última ditadura stalinista do planeta só conseguiu até o momento fabricar uma bomba nuclear. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, a União Europeia e diversos Governos – entre eles, o da China – condenaram o experimento (verdadeiro ou falso) anunciado por Kim Jong-un. Haverá novas sanções como castigo ao regime norte-coreano? Teoricamente, sim, mas, em termos práticos, nenhuma, porque esse país vive em um isolamento total, como dentro de uma proveta, e sobrevive graças ao punho de ferro que aferrolha seus infelizes cidadãos-escravos, ao contrabando e à demagogia delirante.


Oficialmente, há seis países no mundo que possuem armas nucleares – Estados Unidos, Rússia, China, Índia, Paquistão e Coreia do Norte –, e só dois deles, Estados Unidos e Rússia, testaram bombas de hidrogênio, que têm uma capacidade destrutiva sete ou oito vezes maior que as bombas que aniquilaram Hiroshima e Nagasaki. Só uma décima parte do arsenal nuclear já acumulado seria suficiente para acabar com todas as cidades do globo e fazer a espécie humana desaparecer. Devemos estar todos muito loucos neste mundo para ter chegado a uma situação semelhante sem que ninguém faça nada e sigamos contemplando, ao nosso redor, como os arsenais nucleares permanecem ali, talvez até aumentando, à espera de que, a qualquer momento, algum fanático com poder acenda a fagulha que provoque a gigantesca explosão que nos extermine.


Sei bem que há organizações pacifistas que tentam – sem muito sucesso, ainda por cima – mobilizar a opinião pública contra esse armamentismo suicida, e Governos e instituições que, de maneira ritual, protestam cada vez que um novo país, como o Irã até recentemente, tenta entrar para o clube exclusivo das potências atômicas. Mas o fato é que, até agora, o desarmamento foi uma mera retórica sem consequências práticas, e os planos de desarmamento, começando pelos dos Estados Unidos e Rússia, não avançam. Os depósitos de armas de destruição em massa continuam aí, como anúncio permanente de um cataclismo que acabaria com a história humana.


'Devemos estar loucos para seguir esperando que algum fanático com poder acenda a fagulha que provoque a gigantesca explosão que nos extermine'


É preciso que nos resignemos, esperando que esta situação se prolongue, ou é possível fazer algo? Sim, é possível, e é preciso começar por fazer exatamente o contrário do que fiz há dez anos com aquele livro aterrador. É preciso tomar consciência do horror que nos cerca, e, em vez de bancar o avestruz, encará-lo, difundi-lo, alarmar cada vez mais gente com a sinistra realidade, a fim de que as campanhas pacifistas deixem de ser obra de minorias excêntricas e ganhem uma magnitude que afinal mobilize os Governos e faça os organismos internacionais funcionarem de maneira efetiva. Nada disto é utópico; quando há uma vontade política resoluta, é possível sentar-se a uma mesa de diálogo com os adversários mais encarniçados, como ocorreu com o Irã, que consentiu em deter seu programa atômico em troca da suspensão das sanções que haviam paralisado a sua economia.


E se a negociação for impossível? Em raros casos isso pode acontecer, e um desses casos sem dúvida poderia ser o regime do Pyongyang. A satrapia dos Kim não só condenou ao povo norte-coreano a viver na miséria, na mentira e no medo. Com sua busca frenética pela arma nuclear que, acredita, lhe garantirá a sobrevivência, ela põe em perigo os seus vizinhos da península e a Ásia inteira. A comunidade internacional tem a obrigação de agir, colocando em ação todos os meios ao seu alcance para acabar com um regime que se transformou em um risco para o resto do planeta. 


Até a China, que foi um dos escassos protetores da ditadura norte-coreana, parece ter compreendido o perigo que as iniciativas demenciais de Kim Jong-un representam para sua própria sobrevivência. E a forma mais eficaz de agir é cortar pela raiz a possibilidade de que o regime de Pyongyang continue a fazer experimentos nucleares que constituem, de imediato, uma gravíssima ameaça para Coreia do Sul, China e Japão. A comunidade internacional pode impor um ultimato ao regime norte-coreano, através das Nações Unidas, dando-lhe um prazo preciso para que desmantele suas instalações atômicas, sob pena de proceder à sua destruição. E cumprir a ameaça caso não seja escutada. Não acredito que haja um caso mais evidente em que um mal menor se imponha sobre o risco de que Pyongyang provoque uma catástrofe com centenas de milhares de vítimas na Ásia e, talvez, no mundo inteiro.


'É preciso tomar consciência do horror que nos cerca, e, em vez de bancar o avestruz, encará-lo'


Num desses lúcidos ensaios com que enfrentou o messianismo ideológico ao qual sucumbiram tantos intelectuais do seu tempo, George Orwell se perguntava se o progresso científico deveria ser celebrado ou temido. Pois esses extraordinários avanços no conhecimento, ao mesmo tempo em que criaram melhores condições de vida – na alimentação, na saúde, na coexistência, nos direitos humanos – desenvolveram também uma indústria da destruição capaz de produzir matanças que nem a imaginação mais doentia de antigamente poderia antecipar. 


Em nossos dias, o avanço da ciência e da tecnologia semeou o planeta com artefatos mortíferos que, na melhor das hipóteses, poderiam nos devolver ao tempo das cavernas, e, na pior, retroceder este planeta sem luz àquele passado muito remoto em que a vida ainda não existia e estava por brotar, não se sabe ainda se para o bem ou para o mal. Não tenho resposta para esta pergunta. Mas o que farei imediatamente será procurar aquele livro que deixei sem terminar, e desta vez lê-lo até a última linha.


El País

Nenhum comentário: