domingo, 24 de janeiro de 2016

O desperdício nosso de cada dia

Eduardo Oinegue 

“A folhinha nos oferece o custo médio do Estado brasileiro por mês (R$ 223 bilhões ), e por dia (R$ 7,3 bilhões). O cronômetro, por hora (R$ 306 milhões)

A astronomia desconhece unidades de medidas cotidianas, como metro e quilômetro. Tudo é, no mínimo, bilhão.
São 5,9 bilhões de quilômetros da Terra a Plutão, e 263 bilhões da Terra ao centro da Via Láctea. Assimilá-las não é trivial. Acontece o mesmo com as despesas do Estado, listadas em bilhão, dezenas de bilhão, centenas de bilhão de reais, tudo astronômico e desafiador como as distâncias cósmicas.
Em 2015, as pastas da Educação e da Saúde receberam dotação de mais de R$ 100 bilhões cada uma. Ainda assim, faltou dinheiro.
O gasto com o pagamento dos servidores federais superou os R$ 280 bilhões.
A Previdência custou mais de meio trilhão.
O Orçamento Geral da União foi de R$ 2,68 trilhões de reais. Números siderais, com tantos zeros, são alcançados pelas calculadoras. Mas deixam as pessoas um pouco confusas. Uma forma de trazer o debate a um patamar mais terreno é realizar os cálculos com apoio do calendário (a boa e velha folhinha) e do cronômetro. Pode parecer estranho, mas faz sentido. Acompanhe.

A folhinha nos oferece o custo médio do Estado brasileiro por mês (R$ 223 bilhões ), e por dia (R$ 7,3 bilhões). O cronômetro, por hora (R$ 306 milhões) e por minuto (R$ 5 milhões). Com estes novos fatiamentos, podemos executar cálculos mais palpáveis.
Para melhorar o saneamento, por exemplo, um dos grandes flagelos nacionais, o Estado reserva, por ano, apenas nove horas das despesas globais.
O Congresso Nacional custa, anualmente, um dia e seis horas de orçamento.
O Bolsa Família, três dias e 19 horas.
O Ministério da Defesa, 11 dias, Saúde e a Educação, cerca de 15 dias cada.

Além de dimensionar as despesas no tempo, o método revela que certas economias apresentadas pelas autoridades como fruto de um admirável esforço fiscal são mais modestas do que parecem.
Em setembro do ano passado, o Ministério do Planejamento divulgou um pacote de cortes que incluía extinção de ministérios, eliminação de cargos de confiança e reduções variadas de gastos administrativos. Total da economia do pacote: R$ 2 bilhões no ano. Pelo cronômetro, o Estado comprometeu-se a enxugar seis horas e 34 minutos do bolo anual. Pouco, já que o ano tem 8.760 horas. No caso de 2016, bissexto, 24 horas a mais.

O Orçamento de 2015, que deveria apresentar superávit, fechou com déficit de R$ 118,6 bilhões. Zerá-lo significaria um esforço fiscal semelhante a 16 dias da despesa anual. Equivaleria a cortar, em cada mês, um dia e oito horas de custos. Mas as autoridades não conseguiram, e isso nos rendeu a perda do grau de investimento. A folhinha e o cronômetro escancaram o tipo de país que estamos construindo.

Em 2015, o Estado reservou aos investimentos, base para o futuro, apenas dez dias de recursos — e executou cinco. Investimento é infraestrutura. São obras necessárias para tornar o país socialmente mais justo e economicamente mais competitivo. Já as despesas referentes aos compromissos assumidos no passado consomem quase cinco meses do Orçamento. São dois meses e sete dias do ano para os serviços da dívida pública e outros dois meses e 12 dias para o pagamento da Previdência.

Como o Brasil vai progredir destinando cinco dias do ano ao futuro e quase cinco meses ao passado? Parar de pagar a dívida não é opção, mas conter seu avanço vertiginoso, uma obrigação. O mesmo vale para a Previdência, um sistema que só para em pé se guiado pela lógica atuarial, não por conceitos subjetivos e discutíveis de justiça.

Se o método do cronômetro e da folhinha não ajudar os governantes a compreender o tamanho do desafio, restará o método da moedinha:  cara, o Brasil vira um país insignificante; coroa, ele quebra.

Eduardo Oinegue
Jornalista

O Globo



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