PEDRO FERREIRA E RENATO FRAGELLI
No intuito de minorar o
desastre eleitoral petista previsto para o pleito municipal deste ano, Lula e o
PT têm defendido a retomada imediata do crescimento econômico. Sem que antes se
equacione o problema do endividamento público explosivo, essa aventura não
apresenta a menor chance de sucesso.
A história econômica brasileira registra várias experiências fracassadas de adiamento do combate à inflação, no intuito de se promover o crescimento de curto prazo. Em 1963, quando as medidas anti-inflacionárias adotadas pelo Plano Trienal começaram a gerar um inevitável desaquecimento, João Goulart concedeu reajustes para o salário mínimo e aos servidores, inviabilizando o plano de Celso Furtado. A inflação retomou sua trajetória ascendente, enquanto o PIB tomou o rumo descendente.
Em agosto de 1979, ao substituir o ministro Simonsen, Delfim Neto tentou retomar o crescimento, a despeito da pressão inflacionária decorrente do segundo choque do petróleo. A aventura dobrou o nível de inflação, tendo sido revertida após um ano com catastróficos resultados sobre o PIB a partir de 1981. Em 1986, após substituir o ministro Dornelles, Funaro adotou medidas expansivas. Seis meses depois, quando a inflação mensal atingiu 14%, lançou o Plano Cruzado que fracassou em menos de um ano.
O que atualmente impede a economia brasileira de crescer é a incerteza causada pelo crescimento explosivo da dívida pública e pela fragilidade do quadro político. Enquanto a receita tributária cai devido à recessão, a despesa pública continua a crescer por causa da indexação de boa parte dos gastos. Diante da elevada taxa real de juros atual de 6% ao ano, o superávit primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB teria que atingir 3% do PIB, isto sob a hipótese irrealista de que o PIB voltasse a crescer a 2% ao ano. Mas a proposta orçamentária para 2016 prevê superávit de apenas 0,5%, e mesmo esse número modesto parece impossível de ser alcançado.
Diante do crescimento explosivo da dívida, o governo só consegue rolar os títulos que vencem ao aceitar pagar uma elevada taxa de juros. Tentativas voluntaristas de baixá-la levariam ao encurtamento do prazo médio de vencimento, agravando a instabilidade.
A retomada do crescimento exigiria aumento de investimentos. Mas o empresário que hoje considera a possibilidade de investir sequer consegue calcular a taxa de retorno do projeto, dada a instabilidade política e a certeza que novos impostos serão criados durante o prazo de maturidade do empreendimento. Por que correr os riscos inerentes à produção ante a confortável alternativa de receber 6% ao ano aplicando em títulos públicos? Em vez de investir no negócio, as empresas abertas recompram ações no mercado em baixa.
Enquanto a sociedade brasileira não negociar politicamente quem pagará o custo do ajuste, via menores serviços e transferências, ou maiores impostos, o país continuará paralisado. Do ponto de vista de ajuste fiscal, o ano de 2015 foi praticamente perdido. Mas, pelo menos, a correção de preços relativos - câmbio e preços administrados artificialmente contidos durante o período pré-eleitoral - foi iniciada, gerando uma inevitável pressão de custos que levou a inflação a 10,7%. Para que esse patamar de inflação não se perpetue, é preciso que os salários nominais não acompanhem a inflação, desarmando-se a pressão de custos, e que o governo não re-introduza, como vem anunciando, mecanismos de estímulo para economia. Aquecer a economia agora perpetuaria o patamar inflacionário de 2015, aumentando as incertezas.
Diante do rito estabelecido pelo STF, a derrota do impeachment ficou mais provável, e teoricamente Dilma Rousseff teria assim uma oportunidade de se redimir dos erros crassos da Nova Matriz Econômica. Uma vez confirmada no cargo, ela poderia tentar implantar reformas estruturais, entre elas a reforma da previdência. O estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria, com uma adequada regra de transição, poderia ser apresentada como medida necessária para garantir a sobrevivência dos programas de maior impacto sobre os mais desfavorecidos, como o Bolsa Família. Uma adequada campanha poderia explicar à população que a idade mínima não atinge os mais pobres, pois estes não conseguem se aposentar por tempo de contribuição, mas sim por idade, pois trabalham muitos anos na economia informal.
Somos, entretanto, bastante céticos de que haverá espaço político para qualquer ajuste mais profundo durante os próximos três anos. O PT já anunciou com todas as letras ser contra qualquer reforma estrutural e clama por políticas de estímulo ao crescimento. Os demais partidos da base de apoio ou vão na mesma direção ou estão mais preocupados em sobreviver à Operação Lava-Jato. Assim, apesar dos anúncios recentes do novo ministro da fazenda, é muito pouco provável que o governo leve ao Congresso uma proposta de reforma previdenciária ou qualquer proposta de ajuste mais séria.
Além disto, os sinais têm sido contraditórios: ao mesmo tempo em que o BC indica aumento dos juros, o Ministério da Fazenda anuncia expansão do crédito dos bancos públicos. O primeiro quer conter a demanda e recuperar sua reputação, o segundo quer expandir a demanda, ajudando o PT nas eleições de outubro. Como Nelson Barbosa já mostrou ter maior poder político, tudo indica que a segunda linha de ação prevalecerá e que teremos pela frente uma política feijão com arroz que buscará estimular o crescimento da economia tentando manter a inflação sob controle. Esse é um filme ruim que já vimos no passado. Não há final feliz, a inflação ganha no final.
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso
A história econômica brasileira registra várias experiências fracassadas de adiamento do combate à inflação, no intuito de se promover o crescimento de curto prazo. Em 1963, quando as medidas anti-inflacionárias adotadas pelo Plano Trienal começaram a gerar um inevitável desaquecimento, João Goulart concedeu reajustes para o salário mínimo e aos servidores, inviabilizando o plano de Celso Furtado. A inflação retomou sua trajetória ascendente, enquanto o PIB tomou o rumo descendente.
Em agosto de 1979, ao substituir o ministro Simonsen, Delfim Neto tentou retomar o crescimento, a despeito da pressão inflacionária decorrente do segundo choque do petróleo. A aventura dobrou o nível de inflação, tendo sido revertida após um ano com catastróficos resultados sobre o PIB a partir de 1981. Em 1986, após substituir o ministro Dornelles, Funaro adotou medidas expansivas. Seis meses depois, quando a inflação mensal atingiu 14%, lançou o Plano Cruzado que fracassou em menos de um ano.
O que atualmente impede a economia brasileira de crescer é a incerteza causada pelo crescimento explosivo da dívida pública e pela fragilidade do quadro político. Enquanto a receita tributária cai devido à recessão, a despesa pública continua a crescer por causa da indexação de boa parte dos gastos. Diante da elevada taxa real de juros atual de 6% ao ano, o superávit primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB teria que atingir 3% do PIB, isto sob a hipótese irrealista de que o PIB voltasse a crescer a 2% ao ano. Mas a proposta orçamentária para 2016 prevê superávit de apenas 0,5%, e mesmo esse número modesto parece impossível de ser alcançado.
Diante do crescimento explosivo da dívida, o governo só consegue rolar os títulos que vencem ao aceitar pagar uma elevada taxa de juros. Tentativas voluntaristas de baixá-la levariam ao encurtamento do prazo médio de vencimento, agravando a instabilidade.
A retomada do crescimento exigiria aumento de investimentos. Mas o empresário que hoje considera a possibilidade de investir sequer consegue calcular a taxa de retorno do projeto, dada a instabilidade política e a certeza que novos impostos serão criados durante o prazo de maturidade do empreendimento. Por que correr os riscos inerentes à produção ante a confortável alternativa de receber 6% ao ano aplicando em títulos públicos? Em vez de investir no negócio, as empresas abertas recompram ações no mercado em baixa.
Enquanto a sociedade brasileira não negociar politicamente quem pagará o custo do ajuste, via menores serviços e transferências, ou maiores impostos, o país continuará paralisado. Do ponto de vista de ajuste fiscal, o ano de 2015 foi praticamente perdido. Mas, pelo menos, a correção de preços relativos - câmbio e preços administrados artificialmente contidos durante o período pré-eleitoral - foi iniciada, gerando uma inevitável pressão de custos que levou a inflação a 10,7%. Para que esse patamar de inflação não se perpetue, é preciso que os salários nominais não acompanhem a inflação, desarmando-se a pressão de custos, e que o governo não re-introduza, como vem anunciando, mecanismos de estímulo para economia. Aquecer a economia agora perpetuaria o patamar inflacionário de 2015, aumentando as incertezas.
Diante do rito estabelecido pelo STF, a derrota do impeachment ficou mais provável, e teoricamente Dilma Rousseff teria assim uma oportunidade de se redimir dos erros crassos da Nova Matriz Econômica. Uma vez confirmada no cargo, ela poderia tentar implantar reformas estruturais, entre elas a reforma da previdência. O estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria, com uma adequada regra de transição, poderia ser apresentada como medida necessária para garantir a sobrevivência dos programas de maior impacto sobre os mais desfavorecidos, como o Bolsa Família. Uma adequada campanha poderia explicar à população que a idade mínima não atinge os mais pobres, pois estes não conseguem se aposentar por tempo de contribuição, mas sim por idade, pois trabalham muitos anos na economia informal.
Somos, entretanto, bastante céticos de que haverá espaço político para qualquer ajuste mais profundo durante os próximos três anos. O PT já anunciou com todas as letras ser contra qualquer reforma estrutural e clama por políticas de estímulo ao crescimento. Os demais partidos da base de apoio ou vão na mesma direção ou estão mais preocupados em sobreviver à Operação Lava-Jato. Assim, apesar dos anúncios recentes do novo ministro da fazenda, é muito pouco provável que o governo leve ao Congresso uma proposta de reforma previdenciária ou qualquer proposta de ajuste mais séria.
Além disto, os sinais têm sido contraditórios: ao mesmo tempo em que o BC indica aumento dos juros, o Ministério da Fazenda anuncia expansão do crédito dos bancos públicos. O primeiro quer conter a demanda e recuperar sua reputação, o segundo quer expandir a demanda, ajudando o PT nas eleições de outubro. Como Nelson Barbosa já mostrou ter maior poder político, tudo indica que a segunda linha de ação prevalecerá e que teremos pela frente uma política feijão com arroz que buscará estimular o crescimento da economia tentando manter a inflação sob controle. Esse é um filme ruim que já vimos no passado. Não há final feliz, a inflação ganha no final.
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso
Professores
da Escola de Pós-graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas
Valor Econômico
Valor Econômico
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