terça-feira, 3 de março de 2020

Como o governo de Alberto Fernández conseguiu “sensibilizar” o FMI e por que

Marcia Carmo

Além dos ministros da área econômica, a missão do Fundo Monetário Internacional conversou com os ministros da área social, por sugestão do governo argentino.

Nas reuniões com a missão do FMI, que passou uma semana em Buenos Aires, os ministros da Saúde, Ginés González García, e do Desenvolvimento Social, Daniel Arroyo, fizeram uma radiografia da situação social na Argentina. Altos índices de pobreza (em torno de 35%) e até falta de vacinas essenciais para a infância na rede pública.

A realidade, que inclui desemprego de cerca de 10% e uma série de pequenas e médias empresas (além de algumas de grande porte) que quebraram ou estão à beira da quebra, contribuiu para o comunicado do Fundo Monetário Internacional divulgado na quarta-feira (19). Nele, em sete parágrafos, o organismo diz que a dívida argentina "não é sustentável" e pede a "contribuição" dos credores privados, que investiram em títulos públicos do país, para que aceitem uma reestruturação do que esperam receber.

Mais tarde, na mesma quarta-feira, o Ministério da Economia divulgou comunicado ratificando as declarações feitas pelo Fundo. Na quinta-feira (20), o presidente Alberto Fernández comemorou que o FMI tivesse dado "a razão à Argentina".

Quase 50% da dívida mundial com o organismo pertence à Argentina, observam economistas. "Ao pedir aos credores que aceitem uma reestruturação e um pagamento com descontos, o Fundo também está tentando cuidar do próprio bolso. Foi o que me disseram credores.

O FMI sabe que a Argentina não tem dinheiro para pagar a todos (credores e Fundo)", disse o analista político Sergio Berensztein à emissora de televisão TN, de Buenos Aires.

O ministro da Economia, Martín Guzmán, tem reiterado, nas entrevistas coletivas em Buenos Aires e nos encontros internacionais, que a dívida argentina é insustentável. Por isso ele também incluiu, para surpresa de alguns economistas, a dívida do país com o Clube de Paris no pacote do que pretende reestruturar.

O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, próximo de Guzmán, disse, há alguns dias, que os credores deveriam aceitar um "desconto importante" (no que devem receber). Parecia abrir caminho para o que o Fundo acabou anunciando em seu comunicado desta semana.

Mas no dia seguinte ao comunicado, o mercado "castigou" a Argentina e a taxa de risco-país, que mede a confiança financeira num país, subiu.
Fernández tem repetido que primeiro quer resolver a dívida para abrir caminho para o crescimento do país. Ele tomou posse há pouco mais de dois meses, em dezembro passado, e já aplicou medidas fortes, como o fim, por decreto, do esquema de aumento das aposentadorias. Ele disse que o sistema era insustentável. Um grupo de aposentados avisou que apelará à Justiça.

Seja como for, a medida, dura para os inativos diante de uma inflação que em 2019 ficou acima dos 50% e que registrou tendência de leve queda em janeiro, agradou ao FMI, segundo fontes da área econômica no país. Em 2018, a Argentina contraiu empréstimo recorde na história do organismo, US$ 57 bilhões, dos quais 44 bilhões já foram desembolsados, que ainda não sabe como pagar.

Por isso, neste caso, pede os adiamentos dos prazos previstos para honrar a bolada. O Fundo, sobre este capítulo da dívida argentina, ainda não deu sua resposta. E ela ainda pode demorar. Ao contrário da situação dos credores, os pagamentos ao organismo não começam a vencer em 2020.

El Clarín

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