quinta-feira, 26 de março de 2020

Brasil se incorpora ao complexo industrial-militar dos Estados Unidos

Jorge Castro

Os EUA e o Brasil assinaram em Miami, no dia 6 de março, o "Acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação (RDT&E), na área de Defesa, que é o primeiro resultado do relacionamento entre os dois países após os EUA terem classificado o Brasil como aliado preferencial extra OTAN, em 2019.

O objetivo do acordo é incorporar a indústria brasileira de defesa - a Embraer em primeiro lugar - ao imenso complexo militar-industrial americano, o primeiro do mundo tanto em poder financeiro e de investimento quanto em capacidade tecnológica (nos últimos quatro anos, os EUA investiram US$ 2,5 bilhões em suas forças armadas - Exército, Marinha, Força Aérea, Corpo de Fuzileiros Navais e Guarda Costeira -, valor superior aos gastos em Defesa dos demais países do sistema global somados).

A incorporação do Brasil a esse imenso complexo produtivo, tecnológico e militar tem sua peculiaridade mais relevante no processo de investimento do sistema, com um significado imediato para a Embraer após a aquisição da controladora por US$ 4,2 bilhões pela Boeing Corp.

Neste ano, os EUA, por decisão do presidente Donald Trump, criaram a sexta força armada, o "Comando Espacial", para enfrentar a guerra no espaço.

O gasto com defesa estabelecido no orçamento 2019/2020 dos Estados Unidos totaliza US$ 741 bilhões, e é de longe o primeiro do mundo (o da China, que é o segundo, chega a US$ 280 bilhões).

"O objetivo do RDT&E é que o Brasil e os EUA desenvolvam em conjunto projetos de defesa de alta tecnologia”, disse o Almirante de Esquadra Craig Faller, da Marinha dos EUA, atual comandante do Comando Sul. O segundo comandante é o general brasileiro Alcides Faria, ex-chefe da 5ª Brigada de Cavalaria Blindada.

O RDT&E dá à indústria brasileira de defesa acesso imediato ao "Fundo do Departamento de Defesa dos EUA", de US$ 100 bilhões, destinado ao desenvolvimento de projetos de alta tecnologia. A adesão ao RDT&E significa que após o acordo político/estratégico/militar assinado por Donald Trump e Jair Bolsonaro em Washington, o Brasil mudou seu status internacional e saiu da estrutura regional da América do Sul.

Assim, o Brasil retoma a política externa lançada pelo Barão do Rio Branco (ministro das Relações Exteriores do Brasil de 1902 a 1912), o primeiro estadista sul-americano a perceber a importância mundial dos EUA, depois de o país se impor à Espanha na guerra entre Cuba e as Filipinas (1898/1899) e de forçar a paz como mediador entre a Rússia e o Japão na Guerra da Manchúria (1904/1905) na presidência de Theodore Roosevelt (1901/1909).

A partir de então, o Brasil se tornou o principal aliado estratégico dos EUA na América do Sul, o que foi um fator decisivo na disputa geopolítica com a Argentina. O país manteve essa posição até a década de 1950 e seu ponto culminante foi a participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Campanha Italiana (1944/1945) contra o Terceiro Reich, na Segunda Guerra Mundial, liderada pelos generais João Mascarenhas e Zenóbio da Costa, enquadrada no 5º Exército Americano comandado pelo General Mark Clark.

Entre outras, a Força Expedicionária Brasileira participou das batalhas de Montecastelo, Castelnuovo e Montese, bem como em Montecassino contra os paraquedistas alemães do general Kurt Student, consideradas as melhores forças de infantaria da Segunda Guerra Mundial.

O Brasil agora pretende estabelecer um acordo de livre-comércio com os EUA, condicionado apenas à implementação prévia de quatroreformas fundamentais: a reforma do sistema de previdência social, já sancionada; a reforma tributária destinada a cortar o “custo Brasil”, que impõe uma sobretaxa de 40% à produção brasileira; a privatização de mais de 140 empresas estatais, exceto a Petrobras; e a última e decisiva, a abertura da economia brasileira, a mais fechada do mundo depois da do Sudão.

O dado central da inserção do Brasil na economia global nos últimos 25 anos é a produtividade zero ou negativa de sua indústria e, portanto, sua absoluta incapacidade de competir no mercado internacional, exceto no Mercosul, ou seja, na Argentina, protegida pela "tarifa zero" que caracteriza o acordo regional como uma "zona de livre-comércio", a partir do Tratado de Assunção de 1991/1994.

O RDT&E é um ponto de inflexão na história do Brasil e das relações da América Latina com os EUA e coloca a nação brasileira, pela segunda vez, - a primeira foi quando Getúlio Vargas, antes de enviar a Força Expedicionário para lutar na Itália, cedeu aos EUA quatro bases militares no Norte e Nordeste - diante da possibilidade de cumprir sua mais profunda e até agora sempre frustrada vocação para alcançar o status de potência mundial nas condições do século 21.

Clarín em Português

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