terça-feira, 5 de setembro de 2017

Brasil e China, atraso e poder

Editorial

Futebol de um lado, dinheiro e tecnologia do outro: isso resume a maior parte dos atos assinados por brasileiros e chineses durante a visita do presidente Michel Temer a Pequim. Em quase todos os compromissos a China aparece como investidora e financiadora. A posição brasileira só é um pouco destacada no memorando de cooperação entre as confederações de futebol dos dois países. O Brasil, segundo dizem, tem maior domínio do assunto. Muitos bilhões de dólares em créditos e investimentos virão do outro lado do mundo, se metade dos bons propósitos for convertida em ações. Ao mesmo tempo, os chineses passarão a controlar alguns ativos importantes, na área de infraestrutura. Na melhor hipótese, haverá algum impulso ao crescimento nos próximos anos. Bom conjunto de negócios? Não dá para comemorar. Os atos assinados evidenciam muito mais que a desproporção entre duas economias e remetem a uma deprimente história de erros do lado brasileiro.

Com todos os senões e ressalvas, a história da economia chinesa nos últimos 30 anos mostra a relevância de políticas baseadas em objetivos de longo prazo, em diagnósticos elaborados com realismo e numa busca persistente de modernização, eficiência e competitividade. O regime chinês pode ter feito alguma diferença, mas seria enorme tolice dar muito peso a esse fator. O realismo na formulação e na execução de planos econômicos foi acompanhado de igual sensatez na diplomacia comercial. Jogar na primeira divisão da economia global tem sido há muito tempo o evidente objetivo chinês e isso se reflete, com clareza, em sua política de comércio exterior.

No Brasil, eficiência, inovação e competitividade foram raramente prioridades da política econômica – para tranquilidade e felicidade dos amantes do protecionismo sem prazo, dos subsídios e da acomodação. Protecionismo pode ter alguma utilidade como etapa de uma política de desenvolvimento. Convertido em prática rotineira, torna-se um compromisso com o atraso geral e com privilégios para os favoritos da corte.

Os piores vícios da política brasileira, na área econômica, foram potencializados nos 13 anos do PT no governo federal. Foram agravados com irresponsabilidade fiscal, multiplicados com a distribuição de benefícios a grupos e setores favoritos, reforçados com o protecionismo e convertidos em ópera-bufa com a implantação de uma diplomacia terceiro-mundista. Inepta como estratégia de desenvolvimento, essa diplomacia foi uma pitoresca mistura de ingenuidade e de malandragem. A ingenuidade foi sempre visível na escolha dos parceiros estratégicos – numa parceria sempre sem reciprocidade, até na América do Sul. A malandragem foi seu uso como instrumento de promoção de objetivos políticos pessoais e partidários.

No meio de um assustador conjunto de erros, o governo brasileiro renunciou a uma busca efetiva de comércio mais amplo, mais equilibrado e mais aberto com os mercados mais desenvolvidos, limitou o escopo de seus acordos comerciais e converteu o País em fornecedor de matéria-prima para o mercado chinês, numa relação semicolonial. Exceto como fornecedor de minérios e produtos agrícolas, o Brasil nunca foi parceiro prioritário para a China, mais empenhada na conquista dos mercados mais desenvolvidos.

O melhor resultado comercial obtido na visita presidencial, a promessa de ampliação dos frigoríficos autorizados a exportar para a China, é parte do papel de fornecedor de produtos básicos. Não há nada errado em exportar matérias-primas. Há muita coisa errada, no entanto, em ficar limitado a esse papel, quando já se dispõe de uma ampla base industrial.

Fortalecer essa base com uma ampla política de eficiência, inovação e competitividade deve ser objetivo deste e do próximo governo. Isso requer visão de longo prazo e uma concepção objetiva de interesses nacionais no cenário global. Os governos chineses têm agido, há muito tempo, com base nessa visão de interesses. Nenhum desses governos foi terceiro-mundista ou complacente com a ineficiência.

O Estado de S. Paulo

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