sexta-feira, 9 de junho de 2017

Rússia e Trump: entenda a trama pela qual se investiga o 45º presidente dos EUA

JOAN FAUS

O que está sendo investigado? Por que há um promotor especial? O presidente cometeu crime?

Casa Branca vive um escândalo permanente. Sucedem-se revelações que cercam Donald Trump e forçam seus colaboradores a dar explicações constantes. As linhas são difusas, mas todas elas têm um padrão comum que se consolida cada vez mais: estão relacionadas a uma suposta conexão de pessoas próximas ao presidente com a Rússia. É a chamada trama russa de Trump que está sendo investigada pelo FBI, por comissões do Congresso e também por um investigador especial, Robert Mueller. O destituído diretor do FBI, James Comey, comparece nesta quinta-feira perante o Senado para detalhar as pressões a que foi submetido pelo presidente Trump.

Estas são as chaves do caso:

O que está sendo investigado?
Os Estados Unidos acusam a Rússia de roubar emails doPartido Democrata divulgados pelo Wikileaks às vésperas das presidenciais de novembro com o objetivo de ajudar Trump a ganhar as eleições. Várias pessoas próximas a Trump têm vínculos com a Rússia. O FBI e o Congresso investigam se houve algum tipo de coordenação entre a equipe de Trump e o Governo russo na ingerência eleitoral.

Por que o diretor do FBI foi demitido?
Em 9 de maio, Trump demitiu James Comey como diretor do FBI. Comey coordenava a investigação da agência policial sobre os supostos laços entre a equipe de Trump e a ingerência russa durante a campanha. O presidente inicialmente afirmou que o demitiu por recomendação de Rod Rosenstein, o Secretário de Justiça adjunto, por causa da gestão que Comey fez do caso do servidor privado da democrata Hillary Clinton. Mais tarde, Trump admitiu que demitiria Comey de qualquer maneira e que as investigações sobre a Rússia influenciaram sua decisão.

Depois que deixou o cargo, Comey se tornou um pesadelo para a Casa Branca. O ex-diretor do FBI depõe nesta quinta-feira perante a Comissão de Inteligência do Senado e seu testemunho corrobora em público as acusações que pessoas próximas a ele têm vazado desde sua demissão: que Trump lhe pediu “lealdade” e que ele se negou a dá-la, e que também insistiu que encerrasse investigação sobre Michael Flynn, que foi o primeiro conselheiro de Segurança Nacional do presidente, por seus vínculos com a Rússia.

Qual é o papel de Michael Flynn?
O tenente-general aposentado foi um dos principais assessores de Trump durante a campanha. Após vencer as eleições, o republicano o nomeou como conselheiro de Segurança Nacional na Casa Branca. Mas Flynn só ficou 24 dias no cargo e se viu obrigado a pedir demissão, em 13 de fevereiro, depois de ser revelado que ele mentiu para o vice-presidente, Mike Pence, sobre o conteúdo de conversas mantidas em dezembro com o embaixador russo em Washington,Sergei Kislyak.
Os serviços de inteligência norte-americanos gravaram os telefonemas entre Flynn e Kislyak, algo habitual ao se tratar de um diplomata de um país rival. Nas gravações, descobriu-se que Flynn estava “enganando a opinião pública” e era suscetível a ser “chantageado” pelo Kremlin. Esse foi o argumento apresentando em 8 de maio pela ex-secretária de Justiça Sally Yates, que foi quem alertou a Casa Branca.

Desde sua demissão, soube-se que Flynn ocultou os detalhes dos pagamentos que recebeu de empresas russas e de um empresário turco antes das eleições, o que protegeu a opacidade sobre os laços estrangeiros do militar.

Por que o embaixador russo é tão importante?
Kislyak, um veterano diplomata russo e que muitos especulam ser um espião, conversou por telefone com Flynn em dezembro, quando já se sabia que em 20 de janeiro o general se tornaria o conselheiro de Segurança Nacional de Trump. Os dois supostamente falaram sobre as sanções impostas à Rússia em dezembro pelo governo de Barack Obama por causa dos cyberataques que os serviços de inteligência atribuem a Moscou.
Em julho e em setembro de 2016, o embaixador se reuniu com o então senador Jeff Sessions, que apoiava a campanha do republicano e que agora é o secretário de Justiça dos EUA, o que permite que ele aponte cargos judiciais. Sessions não revelou esses encontros quando foi submetido à aprovação pelo Senado. Depois que o fato foi revelado pela imprensa, em março, ele anunciou que se afastaria da investigação da trama russa e que o responsável por supervisioná-la seria seu número 2, Rosenstein.

O que o secretário especial deve fazer?
Na enésima reviravolta, a imprensa revelou em 16 de maio – o que foi confirmado por Comey no Senado – que em 14 de fevereiro, um dia depois de despedir Flynn, Trump pediu que o FBI encerrasse a investigação de seu ex-conselheiro de Segurança, no que está sendo considerada como uma clara tentativa de intromissão. Comey se negou a fazer isso. A notícia reavivou a tempestade política.

No dia seguinte, o Departamento de Justiça anunciou que Rosenstein tinha decidido nomear um secretário especial para investigar a trama russa. Ou seja, uma figura independente que poderá apresentar cargos penais e que liderará as investigações diante da suspeita de que, após a demissão de Comey, tanto o FBI quanto a Justiça podem ser influenciados politicamente.
 “Um investigador especial é necessário para que o povo americano tenha total confiança nos resultados”, alegou Rosenstein. Trump ficou sabendo da decisão com pouca antecedência e não escondeu sua insatisfação. Disse ser objeto de uma “caça às bruxas”.

O escolhido foi Mueller, director do FBI de 2001 a 2013, um jurista veterano, perseverante e respeitado por democratas e republicanos. A figura do secretário de Justiça independente garante, pelo menos teoricamente, que a investigação chegará até o fim. Isso acrescenta riscos para a Casa Branca, mas também pode ser um alívio se nada irregular for encontrado. Paralelamente, seguem seu curso as investigações de diferentes comissões do Senado e da Câmara dos Representantes sobre a trama russa.

Trump fez algo ilegal?
Até agora não foi demonstrado que houve algum tipo de coordenação por parte de Trump ou de seu entorno com o ciberataque russo. “Não houve conivência minha nem da minha campanha, mas só posso falar por mim: com a Rússia, zero”, alegou o presidente no dia seguinte à nomeação do secretário oficial. Em seu testemunho, Comey confirma que Trump não estava sendo investigado e que o presidente negou ter cometido alguma irregularidade.

A revelação de que Trump pediu a Comey para o FBI parar de investigar Flynn pode ser interpretada como uma tentativa de obstrução da Justiça, o que é um crime. No entanto, para poder acusar o presidente de cometer esse crime seria necessário demonstrar que ele tinha uma intenção de obstrução da Justiça, o que é complexo de provar. Seriam necessárias provas claras sobre essa intenção.

Que papel tem o genro do presidente?
Jared Kushner, genro e um dos principais assessores de Trump, está sendo investigado pelo FBI por causa de um encontro que teve com o embaixador russo em dezembro – entre as eleições de novembro e a posse presidencial em janeiro. O marido de Ivanka Trump também se reuniu com Sergei Gorkov, do banco russo

Vnesheconombank, que foi objeto de sanções norte-americanas por causa das ingerências da Rússia na Ucrânia.

Segundo a imprensa norte-americana, na reunião com o embaixador na Trump Tower, em Nova York – da qual Flynn também participou -, Kushner propôs estabelecer um canal secreto e seguro de comunicação entre a equipe do presidente-eleito e o Governo de Vladimir Putin antes da posse de Trump. Tal canal nunca foi aberto.

O que dizem democratas e republicanos?
Os deputados democratas estão há semanas pedindo a criação de um cargo de secretário especial para investigar a trama russa. Estão satisfeitos com a nomeação, sentem que Trump está mais encurralado e alguns até falam em impulsionar um processo de impeachment contra o presidente.
Mas essa possibilidade parece distante já que é preciso haver motivos criminais e é necessário um apoio da maioria do Congresso. Atualmente, o Partido Republicano controla as duas casas. A maioria dos congressistas conservadores aplaudiu a nomeação de Mueller, mas sem duvidar da honestidade de Trump. De certa maneira, a designação do secretário pode ser um alívio para os republicanos que confiam que isso afastará os olhares da trama russa e lhes permita retomar o debate de sua agenda legislativa.

EL PAÍS 

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