segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Corrupção no Brasil: só punir não basta, diz Susan Rose-Ackerman (EUA)

Hélio Duque

No nosso caso é preciso reformar as instituições escravocratas

A professora da Universidade de Yale-EUA (Susan Rose-Ackerman) fez uma análise econômica sobre a corrupção brasileira. Enfocou o tema sob a ótica do binômio custo-benefício (incentivos). Trouxe contribuições importantes para o correto diagnóstico do problema, mas ficou na metade do caminho.

A grande corrupção no Brasil tem origem escravocrata. Aliás, todas as instituições no Brasil (econômicas, políticas, jurídicas e sociais) decorrem da cultura escravagista do país (que ainda não morreu).

Cada país tem sua história de corrupção. As estratégias de combate a esse mal, consequentemente, só podem ser eficazes a partir de um diagnóstico adequado de cada realidade.

Uma primeira observação: a pequena corrupção (dos assalariados e pequenos ou médios empresários ou outros agentes particulares) existe no mundo todo (o jeitinho não é produto nacional).

O "homem cordial" (que faz preponderar os afetos e os sentimentos, sobretudo quando se trata da coisa pública ? ver Sérgio Buarque de Holanda) está presente em todo planeta. Casos rumorosos, mas esporádicos, de grande corrupção, pululam por todos os países.

O que há de peculiar na grande corrupção brasileira? Ela envolve a estrutura do poder, ou seja, o mercado e o próprio Estado. É sistêmica (pertence ao sistema de governo). Que tipo de governo? Elitista, extrativista e excludente, que prioriza o enriquecimento das elites econômicas e políticas dirigentes do país por meio da espoliação do povo e/ou da natureza ou por meios politicamente favorecidos ou por meios ilícitos.

Como essas elites dirigentes e corruptas (bem posicionadas dentro do Estado) se mantêm no poder? Isso é possível em razão do (mau) funcionamento das instituições de controle (políticas, econômicas, jurídicas e sociais).

Onde essas instituições de controle não existem ou funcionam mal, as elites canalizam o máximo possível da riqueza e do poder da nação para elas (particularmente por meios ilícitos: corrupção, peculato, evasão de divisas, lavagem de dinheiro etc.).

A combinação de corrupção sistêmica no mercado dirigente e no Estado governo elitista e extrativista precariedade das instituições constitui a base das cleptocracias (que significam poder e dinheiro em favor das elites dirigentes do país, leia-se, das oligarquias governantes e grupos, setores ou famílias influentes).

Somos, portanto, uma democracia formal dentro do contexto de uma cleptocracia, que envolve (a) o corpo (espoliação da energia muscular via escravidão, que impede o acesso ao capital econômico), (b) a alma (escravização em nome da evangelização), (c) o espírito (subtração do conhecimento, da educação, do acesso ao capital cultural e social), (d) os bens comuns (destruição da natureza) e (e) o dinheiro do povo (arrecadado pelo Estado).

Sem esse diagnóstico não há como combater adequadamente a corrupção.

Toda corrupção (em sentido estrito) tem dois lados (um que paga e o outro que aceita ou exige ou gerencia o pagamento). Todos saem ganhando. A conta é paga com o dinheiro do povo.

Nos casos mais complexos (como da Petrobras) há vários ganhadores: as empreiteiras superfaturavam os contratos das obras (algo em torno de 17%, diz o TCU) ou serviços e pagavam propinas a altos funcionários da Petrobras, aos políticos e aos partidos. Agentes financeiros que intermediavam a "negociata" levavam a parte deles. Todos tinham incentivos econômicos para estarem no "negócio".

Para a professora de Yale (EUA), ponto número um para o combate à corrupção é o seguinte: o que está sendo "comprado" em troca do suborno?

Dando dinheiro aos políticos, aos governantes e aos partidos (sobretudo para o financiamento das campanhas eleitorais deles, que lutam pela conquista ou manutenção do poder e preservação da carreira política) os corruptores "compram" (a) a decisão do poder público de fazer obras ou adquirir serviços, "compram" leis favoráveis aos seus negócios e (c) ainda obtêm uma série de favores estatais (empréstimos subsidiados, apoio para obras internacionais, cartelização das licitações, incremento no capitalismo de laços etc.).

Se o custo da "compra" é menor que o benefício a ser obtido, há incentivo para a corrupção.

Quando o funcionário "exige" propina e a vítima não se sente empoderada para denunciar, estamos diante do mau funcionamento das instituições (isso significa cleptocracia). Serviços de atendimento confiáveis precisam ser instituídos para que o "denunciante" se sinta seguro.

O aspecto ético (e cultural) é relevante para diminuir a corrupção. A repressão é necessária. Mas só a repressão não funciona a longo prazo: um grupo é punido e um novo grupo aparece (Susan Rose-Ackerman). Isso ocorreu na Itália após a Mãos Limpas (surgiu a corrupção 2.0).

Mudanças profundas só acontecem com reformas das instituições (políticas, econômicas, jurídicas e sociais).

Algumas ideias que deveriam ser discutidas (após o estímulo da professora norte-americana citada): manutenção da proibição de financiamento empresarial de campanhas; barateamento das campanhas; monitoramento rigoroso dos gastos de campanha; sistema unicameral; redução drástica dos partidos (a cinco, por exemplo ? menos fisiologismo; melhora a governabilidade pela coalização presidencial); político não pode participar de contratos públicos (quebrar o vínculo do político com os contratos públicos); transparência absoluta desses contratos; responsabilidade efetiva do político pelas suas decisões (responsabilidade política, administrativa, civil e penal); transparência das suas decisões; controle frequente do patrimônio dos políticos; recall; proibição de longas carreiras políticas institucionais no Legislativo; proibição de reeleições no Executivo; controle imediato das leis produzidas pelo Legislativo; nomeação dos ministros pelo mérito e sorteio; novas leis penais para preencher algumas lacunas legais (caixa dois, por exemplo); ajustes para o aprimoramento da delação premiada, wistleblowing etc.

Sobre a proibição do financiamento empresarial a professora disse (à Folha): "Tenho a preocupação de que proibições absolutas a doações corporativas vão simplesmente produzir um aumento em pagamentos que serão corruptos" [caixa dois]. No financiamento empresarial a corrupção é absolutamente certa em quase 100% dos casos. Com a proibição ela é possível. Trocamos o certo pelo possível. Isso constitui um avanço.

Catve.com



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