quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

No Brasil, Macri reforça aliança com Temer frente ao novo mundo de Trump

CARLOS E. CUÉ e AFONSO BENITES
(*)

Primeiro mandatário a visitar Temer em Brasília, argentino quer acelerar o acordo Mercosul-UE

O presidente da Argentina, Mauricio Macri, confirma com uma visita de Estado a Brasília sua aliança estratégica com Michel Temer. O mandatário argentino deixou claro desde o primeiro momento que estava disposto a fazer todo o possível para consolidar Temer, com quem compartilha um desenho de política econômica similar. Seu Governo foi o primeiro a reconhecer o brasileiro em agosto, quando se tornou presidente depois do polêmico impeachment de Dilma Rousseff. Em poucas horas já tinha emitido um comunicado, adiantando-se a todos. Temer viajou a Buenos Aires em outubro de 2016 e Macri agora retribui a visita reforçando um vínculo que consolida a virada ideológica para a centro-direita na América do Sul. Macri e Temer, dois parceiros cada vez mais próximos, têm uma intensa agenda econômica para tratar e um grande interesse em unir-se agora que a guinada protecionista de Donald Trump intensifica ainda mais o interesse de ambos pelo Mercosul.

A previsão é que Macri chegue ao Brasil pouco antes das 11h desta terça-feira. Na sequência, será recebido por Temer e seus ministros no Palácio do Planalto e, ao fim do encontro, farão uma declaração conjunta à imprensa. Por volta das 13h, a comitiva argentina será recebida em um almoço no Itamaraty. Durante a tarde, a visita de Estado prossegue com visitas aos presidentes do Senado, Eunício Oliveira, Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia. O chefe de Estado argentino deixa o Brasil no mesmo dia.

O Governo Michel Temer enxerga a visita de Maurício Macri a Brasília como uma retribuição à primeira viagem internacional que o presidente brasileiro fez, em outubro, depois de empossado no cargo. O encontro é, também, uma possibilidade de alinhar as discussões referentes ao Mercosul e entende-se que o momento é propício devido à convergência de pensamentos entre os dois chefes do Executivo. No primeiro semestre deste ano a Argentina presidirá o bloco econômico e, no segundo, o Brasil.
Macri, por sua vez, está especialmente interessado em impulsionar, junto com Temer, as negociações de um acordo UE-Mercosul que vem sendo adiado há 15 anos. O argentino fará uma viagem à Espanha no dia 21 com a mesma intenção de procurar investimentos na Europa agora que os EUA parecem fechar-se em si mesmos. Para conseguir esse acordo é imprescindível o apoio do Brasil, o grande gigante dentro do Mercosul.

Ambos os presidentes já mostraram sua sintonia na estratégia para suspender a Venezuela de Nicolás Maduro da organização, presidida pela Argentina durante o primeiro semestre de 2016 e, depois, pelo Brasil.
O mandatário argentino decidiu apoiar Temer desde o primeiro momento não só por afinidade ideológica, mas também pelo interesse econômico envolvido. O Brasil é essencial para a Argentina, independentemente de quem está no Governo. A instabilidade política no vizinho é uma má notícia para o país austral. Por isso a Casa Rosada apoiou Dilma enquanto era presidenta, apesar da evidente distância política, e não moveu um dedo para fazê-la cair. E quando Temer subiu, Macri foi o primeiro a respaldá-lo e agora o primeiro mandatário importante a comparecer a Brasília para levar apoio a seu vizinho.

“Quando o Brasil espirra, a Argentina tem uma pneumonia”, é uma frase utilizada por todos os analistas do país austral e até pelo próprio Macri. E foi exatamente o que aconteceu nos últimos anos. A Argentina está sofrendo com a crise brasileira, sobretudo sua indústria e, particularmente, o setor automobilístico, dependente em boa parte das exportações para o vizinho, que com seus 200 milhões de habitantes é cinco vezes maior que o mercado argentino. As exportações para o Brasil despencaram nos últimos anos. O Brasil é o principal destino das exportações argentinas e o principal fornecedor de produtos para o país vizinho. A Argentina é o segundo destino das exportações brasileiras de produtos manufaturados, depois da China, e o terceiro maior parceiro comercial do Brasil.

Cada vez que uma fábrica em Córdoba, a capital do automóvel, anuncia suspensões de funcionários, culpa-se a economia brasileira. Neste momento os analistas afirmam que começa a surgir uma tímida recuperação no mercado brasileiro e isso gera esperança em todos os exportadores da Argentina. Os números mostram essa crise. O Brasil teve um superávit comercial com a Argentina de 4,33 bilhões de dólares em 2016 e 2,51 bilhões em 2015, provocado sobretudo pela desaceleração econômica do vizinho do norte. A retração desse mercado explica pelo menos um ponto de queda do PIB argentino.

A aliança se faz ainda mais necessária no novo mundo de Trump. Macri tinha apostado claramente em Hillary Clinton e tanto ele como Temer defendiam uma maior abertura de seus países ao livre comércio. Macri se aproximou muito dos EUA de Barack Obama e até conseguiu que visitasse a Argentina. Agora a guinada protecionista de Trump desconcertou os dois presidentes, que apostam no reforço do comércio dentro do Mercosul e com outras zonas do mundo.

No entanto, ainda hoje o Brasil e a Argentina são dois dos países mais protecionistas da América Latina, e mesmo dentro do Mercosul há problemas. Temer pede maior abertura da Argentina em autopeças para permitir a entrada de empresas brasileiras, mas Macri não quer ceder por causa do risco de uma maior destruição de empregos em um setor sensível e muito abalado. O tema gera controvérsia e será deixado de lado para não complicar a visita. Macri ficará só um dia em Brasília, mas com todas as honras de uma visita de Estado, que incluirá reuniões com os mais altos representantes da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal.

Venezuela
No encontro, Temer e Macri também deverão discutir a questão da Venezuela, que está suspensa do grupo por não cumprir cláusulas democráticas nem por incentivar o livre comércio de mercadorias entre os países do bloco. “O entendimento entre Brasil e Argentina abrange praticamente tudo, tanto no plano econômico como no plano político”, disse o embaixador Paulo Estivallet de Mesquita, subsecretário-geral da América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores brasileiro.

El País

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  ALALC, depois ALADI e depois Mercosul. Em 1971 participei de reunião da ALALC em Buenos Aires. Muita conversa, muita gente vivendo bem, às custas do contribuinte, e pouquíssimos resultados.
Cada país tem seus próprios interesses e nuances. Não é fácil conciliar isto tudo de forma abrangente.
Globalização foi bom, para alguns, como os tigres asiáticos, enquanto durou. Para outros, significaram grandes e irrecuperáveis prejuízos.
Ganhar mesmo, quem ganhou foi o sistema financeiro internacional. Só em financiamentos concedidos à China, foram trilhões de dólares. Como ela vai pagar, agora que Trump provavelmente interromperá a corrente globalizante, é uma questão que se verá nos próximos anos.
A vantagem da China, é que ela se endividou para fazer investimentos, enquanto o Brasil se endivida para pagar gastos correntes, na sua maioria oriundos do empreguismo tresloucado e da corrupção daí decorrente. 

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