sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Sinais de esperança na Venezuela

Uta Thofern

Os indícios apontam para mudanças na América Latina: após a Argentina, a Venezuela também votou pela rejeição do populismo de esquerda. Agora o país precisa por um fim à polarização

A Venezuela presenciou uma mudança democrática normal, uma vitória da Constituição e da democracia. Que estas palavras tenham sido ditas pelo derrotado de uma eleição não é algo evidente na América Latina. A Argentina, por exemplo, atualmente se indispõe com uma má perdedora. E após a retórica marcial durante a campanha eleitoral, não era esperado que justamente o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, fosse aceitar a derrota tão facilmente.


Mas até os vencedores celebram de forma contida. "Humildade, serenidade, maturidade", twittou repetidamente o líder da oposição, Henrique Capriles. Lilian Tintori, esposa do oposicionista preso Leopoldo López, e o secretário-geral da coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD) pediram por "paz e reconciliação" e falaram explicitamente de uma "Venezuela para todos".


A vitória esmagadora da oposição conservadora não é nenhum motivo para triunfo, assim como a amarga derrota dos socialistas não é razão para o ódio. Se este primeiro resultado das eleições parlamentares se mantiver, já será uma conquista política.


A atual oposição obteve uma maioria convincente dos votos, mas esta eleição foi também um pleito de protesto. Muitos dos eleitores podem ter expressado muito mais seu descontentamento com o governo de Maduro do que uma aprovação ao programa mais do que vago da aliança de oposição.


Mas o desespero com o catastrófico desabastecimento e a inflação recorde obviamente foram maiores do que o medo de cortes nos programas sociais. Este voto de confiança adiantado precisa agora ser justificado pelos membros da aliança MUD.


Independente de a nova maioria no Parlamento venezuelano ser suficiente para um processo de impeachment contra o presidente ou apenas para restringir severamente seus poderes, começa na Venezuela, assim como na Argentina, um período de coabitação, apenas sob signos opostos. Maduro está eleito até 2019. E derrubá-lo é provavelmente mais difícil do que vencer as eleições parlamentares.


Seja na elaboração de estruturas econômicas viáveis, seja no fortalecimento das instituições completamente dominadas pelo governo, a aliança da oposição faria bem em buscar consenso em ambos. Maduro, por sua vez, poderia recuperar o terreno perdido pelo partido socialista se mantiver o tom estadista proferido após a derrota eleitoral e eventualmente até concordar com a libertação de presos políticos.


Os eleitores deixaram claro que não querem mais encenações políticas, mas o fim da polarização. Nesta mudança, a Venezuela precisa de segurança e estabilidade, do fim da corrupção, da confiança nas instituições e de uma rápida melhora da situação econômica.


Tarefa hercúlea que não pode ser executada em um ambiente político hostil. Mas, caso a Venezuela consiga, caso a Venezuela encontre uma verdadeira convivência democrática após esta eleição, ela enviará um sinal bastante forte: a América Latina voltará então a ser uma região de esperança.


A jornalista Uta Thofern é chefe do departamento América Latina da Deutsche Welle.


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Imprensa europeia destaca derrota do chavismo


Jornais europeus repercutem a vitória esmagadora da oposição na Venezuela e atribuem a derrota do chavismo nas eleições parlamentares à crise econômica e à repressão aos opositores do presidente Nicolás Maduro.


'Apoiadores de Nicolás Maduro lamentam o resultado das legislativas'


Os principais órgãos de imprensa europeus destacaram a mudança no mapa político venezuelano após as eleições parlamentares deste domingo (06/12). A derrota do chavismo foi atribuída à crise econômica que o país atravessa, além da repressão aos opositores por parte do governo do presidente Nicolás Maduro.


Na Alemanha, o Frankfurter Allgemaine Zeitung (FAZ) ressaltou a vitória "esmagadora" da oposição, que conquistou 99 das 167 cadeiras no Parlamento venezuelano. A publicação destacou que a economia do país vem sofrendo com a queda no preço do petróleo, o que reduziu os rendimentos do governo, e com a alta da inflação. Ambos os fatores abalaram a popularidade do governo, diz o jornal, citando a declaração do líder oposicionista Henrique Caprilles: "a Venezuela venceu. Isso é irreversível".


O portal do jornal Die Zeit destacou o "revés" para o governo de Maduro, lembrando que pela primeira vez em 16 anos a oposição conservadora conseguiu conquistar a maioria parlamentar. O diário apontou a derrota do modelo chavista, afirmado que as eleições deste domingo foram consideradas um "plebiscito sobre o controverso projeto socialista" venezuelano.


O jornal britânico The Guardian também qualificou como "esmagadora" a vitória dos oposicionistas venezuelanos, num país que, apesar de possuir "uma das maiores reservas de petróleo do mundo", sofre com a "escassez de alimentos básicos, inflação de três dígitos e uma onda de crimes violentos". O jornal afirma que o resultado deste domingo foi "um duro golpe para a esquerda latino-americana", que enfrenta a "desaceleração econômica na região e o descontentamento dos eleitores frente aos escândalos de corrupção".


"A Venezuela dá as costas ao chavismo", dizia a manchete do portal do jornal espanhol El País nesta segunda-feira. O diário afirmou que a oposição venezuelana "superou todas as adversidades possíveis" para vencer as eleições deste domingo e que o resultado teria sido um "abalo monumental à figura e à gestão do presidente Nicolás Maduro". "A crise econômica, a insegurança e a perseguição de líderes opositores foram motivos suficientes para que a sociedade desse um basta e optasse por uma mudança no mapa político do país", afirmou o jornal.


O francês Le Monde destacou o plano da oposição venezuelana para conceder anistia um de seus líderes, Leopoldo López, preso durante os protestos contra o governo em 2014. Segundo o diário, a coalizão oposicionista Mesa de la Unidad Democrática (MUD) poderá abrir inquéritos sobre a atuação das agências estatais ou ainda forçar a publicação de indicadores econômicos que têm sido mantidos em sigilo pelo governo desde o agravamento da crise.

Uta Thofern

Chefe do departamento América Latina da DW

Deutsche Welle

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