sábado, 7 de outubro de 2017

Regra de ouro, o dique

Adriana Fernandes

O Brasil não pode conviver com déficits sucessivos por muito mais tempo

A deterioração das contas públicas chegou num patamar tão grave que o governo pode ser forçado a enfrentar uma situação muito parecida com a de um trabalhador que vai ao banco para pedir empréstimo com o propósito de pagar suas contas de água, luz, supermercado, cartão de crédito e outros itens das suas despesas diárias mais básicas.

Não precisa ser economista para perceber que essa situação é insustentável e que alguma providência tem que ser tomada para reverter rapidamente essa bola de neve.

Esse é mais o menos o retrato do que está acontecendo com as contas públicas. O que pouca gente sabe é que os parlamentares que redigiram a Constituição em vigor incluíram um dispositivo muito simples para impedir que isso aconteça - o que poderia piorar ainda mais o quadro fiscal do País.

Por isso, essa regra foi chamada “de ouro”. Ela não pode deixar - em hipótese alguma - de ser cumprida, sob o risco de o governo ter que parar de pagar as suas despesas, o que levaria de fato à paralisação da máquina administrativa, numa situação limite que é mais conhecida como “shutdown”. Ela segue o que outros países do mundo já fazem.

O Tesouro não pode se endividar para bancar despesas de custeio do governo (como gastos com pessoal e Previdência). Isso só é permitido para o refinanciamento da própria dívida ou para despesas de investimento.

Do contrário, as autoridades do governo poderão ser responsabilizadas e, inclusive, o presidente da República ser afastado do cargo. A regra funciona como um dique a barrar desequilíbrios das contas públicas. Os dois outros diques fiscais são as metas fiscais e o teto de gastos - o limitador de crescimento das despesas criado no ano passado.

Embora técnico e complexo, a regra de ouro será “o” assunto mais comentado dos próximos anos na área fiscal e muito provavelmente cairá no colo do próximo presidente em 2019. Vai se popularizar porque de alguma forma pode afetar a prestação de serviços e o pagamento de salários e benefícios, caso o problema não seja resolvido.

O risco de descumprimento entrou no radar com os rombos sucessivos nas contas do governo e deve ficar pairando como um fantasma pelo menos até 2021, quando se espera que os déficits comecem a ser revertidos.

Em 2017 e 2018, o governo tenta solucionar o problema com a devolução antecipada de empréstimos feitos pelo Tesouro Nacional ao BNDES - uma queda de braço entre o banco e a equipe econômica que cresce e pode fazer vítimas, se o presidente da instituição financeira, Paulo Rabello de Castro, insistir em bater de frente com o Ministério da Fazenda.

Mas e depois de 2018, quando não houver mais dinheiro do BNDES para ajudar? O caminho será aumentar as receitas - sejam tributárias ou obtidas com a venda de ativos com as privatizações - além, é claro, de fazer as reformas para reduzir as despesas obrigatórias, como de pessoal e de Previdência.

Um caminho mais fácil e que precisa ser evitado de qualquer jeito é o Congresso alterar a Constituição, permitindo uma espécie de prazo temporário em que a regra pode ser descumprida - numa solução à lá jeitinho brasileiro. Já se fala no Congresso nessa hipótese, na tentativa de minimizar o problema, sem levar em conta que o próprio enfrentamento do risco de descumprimento já é prova de que a regra (o dique) está funcionando para conter o agravamento da crise. Ou seja, o Brasil não pode continuar convivendo com déficits sucessivos por muito mais tempo. Não é muito difícil perceber as razões.

FMI. A pedido do governo brasileiro, o FMI fez uma avaliação da situação das contas públicas diante do novo regime fiscal com a criação do teto do gasto. A principal recomendação é que o Brasil precisa melhorar a sua comunicação fiscal para um período mais longo, além das previsões de três anos à frente que são incluídas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Na prática, explica o coordenador de riscos fiscais do Tesouro, Daniel Borges, é mostrar o que vai acontecer com as contas publicas com previsões com prazo de cinco anos ou mais. Isso levaria, por exemplo, o governo a ter que estimar com mais precisão o impacto de concessões feitas agora, como aumentos de salários e até mesmo perdão de dívidas. Um constrangimento e tanto que pode ajudar.

O Estado de S.Paulo


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