sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Gigantes estrangeiras, mais royalties e menos Petrobras: o que está em disputa nos novos leilões do pré-sal?

Camilla Veras Mota

Quatro anos depois do primeiro leilão, o pré-sal volta ao mercado. Serão duas rodadas de ofertas de campos de exploração, as primeiras de uma série de nove programadas até 2019. Na próxima sexta-feira, praticamente todas as grandes petroleiras do mundo - 15 no total - participarão da disputa pelos oito blocos em um hotel de luxo no Rio de Janeiro.

O cenário é bem diferente do encontrado em 2013, quando apenas um consórcio, liderado pela Petrobras, apresentou proposta pelo megacampo de Libra.

Algumas mudanças regulatórias do último ano - incluindo flexibilização da lei de 2010 que previa que a estatal brasileira deveria ter participação mínima de 30% na exploração de todos os blocos em operação - ajudam a explicar o interesse maior, mas a principal razão, para especialistas consultados pela BBC Brasil, é a surpreendente produtividade do pré-sal, maior do que se imaginava quando a reserva de 149 mil km² foi descoberta, em 2007.

Dos poços hoje em operação são extraídos até 40 mil barris por dia, contra 15 mil no Golfo do México, diz Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). A qualidade do óleo também é melhor do que nas demais regiões produtoras do Brasil.

"Os campos offshore da Petrobras demoraram 45 anos para bater a marca de um milhão de barris por dia. Os do pré-sal, menos de dez anos", acrescenta Edmilson Moutinho, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo.

Também para ele, é o desempenho do pré-sal que explica o expressivo interesse estrangeiro pelos leilões, que acontecem em um momento em que todas as grandes empresas se esforçam para cortar custos e evitam se comprometer com investimentos de longo prazo. "E esses são projetos grandes, que envolvem muito capital", pondera.

R$ 100 bilhões
As projeções de impacto da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para os dois certames são superlativas - US$ 36 bilhões (pouco mais de R$ 100 bilhões) em investimentos na próxima década e US$ 130 bilhões (mais de R$ 400 bilhões) em arrecadação de royalties e imposto de renda e de óleo-lucro (o percentual em óleo que as empresas vencedoras têm de dar à União, uma particularidade do modelo do pré-sal).

Na segunda rodada serão leiloados quatro blocos das chamadas áreas unitizáveis, adjacentes a campos já em operação e, por isso, com reservas conhecidas. Três estão na bacia de Santos - que tem a maior parte do território em águas paulistas - e uma, na de Campos - que se espalha principalmente pelo mar do Rio de Janeiro.

A terceira rodada inclui quatro blocos ainda não explorados, também divididos entre as bacias de Santos e Campos.

Especialistas como Luiz Pinguelli Rosa, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ e presidente da Eletrobras entre 2003 e 2004, são críticos às mudanças que culminaram nesse novo ciclo de exploração do pré-sal.

O relaxamento da regra que previa o uso de um percentual mínimo de conteúdo nacional pelas petroleiras - de fevereiro deste ano -, em sua avaliação, vai gerar um volume grande de importações de maquinário e geração de emprego "em outros países".

Já a menor participação da Petrobras na exploração dos blocos ofertados, para ele, desperdiça um recurso estratégico. "Ela deveria continuar (a explorar o pré-sal) na medida das suas possibilidades. As reservas são do Brasil, não para o mundo", diz ele.

Outros nomes da área, como o engenheiro David Zylbersztajn, que foi o primeiro presidente da ANP, em 1998, avaliam a retomada dos leilões como positiva. Para ele, é uma oportunidade para o país se beneficiar economicamente de suas reservas de petróleo enquanto a commodity ainda é uma matéria-prima largamente utilizada e um preço de referência.
"O século 20 foi o da economia do petróleo. O 21 vai ser o da economia de acabar com o petróleo", ressalta. "Nós estamos quase dez anos atrasados", acrescenta ele, referindo-se à descoberta do pré-sal, em 2007.

A 'segunda chance' do Rio e a vez de São Paulo
Os especialistas são unânimes, entretanto, na avaliação de que os recursos extras dos royalties do petróleo vão aliviar a situação fiscal delicada do Rio de Janeiro.

"Vamos ver se o Rio vai saber aproveitar essa segunda chance", diz Adriano Pires, do CBIE. A previsão da ANP é que os nove leilões previstos até 2019 rendam US$ 8 bilhões (R$ 25 bilhões) ao Estado - o deficit orçamentário previsto pelo governo para 2018 é de R$ 20,3 bilhões.

O eixo de municípios campeões de arrecadação, antes concentrado em cidades como Campos dos Goytacazes, Rio das Ostras e Macaé, será deslocado mais para o sul, ele acrescenta, para localidades como Maricá, Niterói e Saquarema.

O Estado mais beneficiado pelas novas rodadas, contudo, será São Paulo, para onde devem fluir US$ 11 bilhões em royalties, conforme a apresentação feita pelo diretor-geral da ANP, Décio Oddone, ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) em julho.

Além do aumento direto das receitas de Estados e municípios, destaca Zylbersztajn, os novos investimentos vêm com potencial importante de geração de empregos, de posições técnicas a especialistas como geólogos e geofísicos.

A disponibilidade de mão de obra especializada na região, para o secretário-executivo da Associação Regional de Empresas do Setor de Petróleo, Gás e Biocombustíveis na América Latina (Arpel, na sigla em espanhol), Jorge Ciacciarelli, é um dos fatores de atração das grandes empresas estrangeiras que estão concorrendo pelos blocos, ao lado da redução das exigências de conteúdo nacional, o que, diz ele, pode reduzir custos logísticos e de extração.

Partilha x concessão
As vencedoras do leilão serão aquelas que oferecerem o maior excedente em óleo para a União. O regime, dito de partilha e instituído em 2010, é diferente do aplicado para as demais áreas produtoras de petróleo do país, o de concessão - que seleciona as empresas a partir dos valores de bônus que elas oferecem ao governo. No caso das duas rodadas do próximo dia 27, os bônus têm valores fixos e totalizam US$ 7,7 bilhões.

"Um Estado moderno não tem que ser dono de óleo, tem que cobrar imposto", diz Pires, da CBIE, para quem o modelo tem duas desvantagens.
De um lado, ele não estimula a eficiência das empresas produtoras, que podem descontar todos os custos de produção do óleo que será entregue à União.

De outro, o governo tem que esperar "às vezes cinco, seis, sete anos" pelas receitas que arrecada vendendo a commodity - cujo preço, ele ressalta, pode oscilar no médio prazo. Hoje perto de US$ 60 dólares, o barril de petróleo valia mais de US$ 100 quando o pré-sal foi descoberto, há dez anos.

Oddone, presidente da ANP, também prefere o modelo de concessão, que, em sua avaliação, "estimula mais a competitividade e a eficiência". "Mas isso não invalida o regime de partilha", disse ele à BBC Brasil.

Petrobras
Desde novembro do ano passado, depois que a Lei 13.365 foi sancionada pelo Planalto, a Petrobras não precisa atuar como operadora única dos campos do pré-sal, responsável pela condução e execução de todas as atividades previstas no contrato.

Ela tem, entretanto, preferência nos certames - direito que exerceu nos leilões da segunda rodada, no campo de Sapinhoá, e nos da terceira, nos blocos de Peroba e Alto de Cabo Frio Central, nos quais optou por ser operadora com participação de 30%.

Entre as 14 empresas estrangeiras habilitadas para concorrer, a única que ainda não está presente no Brasil é a Petronas, da Malásia. Na lista há ainda a americana ExxonMobil, a espanhola Repsol Sinopec, a Norueguesa Statoil, a britânica Shell, a francesa Total e as chinesas CNOOC e CNODC. Essas quatro últimas estão no consórcio com a Petrobras que venceu em 2013 e que explora o campo de Libra.

"A Petrobras agora só entra no que vê certeza de retorno", afirma Pires, da CBIE. Para Moutinho, da USP, a redução da participação da estatal vai ajudar o Brasil a aproveitar a "janela de oportunidade" que o petróleo ainda oferece ao país. "Mas essa janela é incerta, nós não sabemos o tamanho dela."

Em sua avaliação, o mundo deve continuar dependente da commodity pelo menos pelos próximos 30 ou 40 anos. O preço baixo do barril desacelera o desenvolvimento de energias alternativas, ele pondera, mas diversos países só precisam ter espaço no orçamento para voltar a subsidiar o desenvolvimento de tecnologias de renováveis.

"Além disso, o próprio pré-sal é muito grande - ele pode ser muito maior do que a gente imagina. A exploração exige uma quantidade de capital enorme, que a Petrobras não tem."

BBC Brasil


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