domingo, 6 de setembro de 2015

Cheque-mate

Aurélio Wander Bastos

A mais simples e a mais modesta das empresas privadas, ao terminar o ano contábil, verificando que sua receita não cobriria a despesa do ano seguinte, principalmente se esses processos são cumulativos com anos anteriores, não tem outra saída senão fazer um pedido de recuperação judicial ou, na pior das hipóteses, requerer em juízo a falência, quando nem ao menos os bens disponíveis poderão ser vendidos ou leiloados.

Estas providências provocarão uma verdadeira hecatombe na vida familiar do falido, que sofrerá uma serie de conseqüências, que limitarão não apenas o seu exercício profissional, com o aumento da carga tributária, os custos trabalhistas e previdenciários insuportáveis, deixando os fornecedores de entregar os bens negociáveis e de consumo.

O Estado não é uma empresa privada, mas a sua responsabilidade prioritária não é com os cânones da burocracia, nem muito menos com os cargos disponibilizados para terceiros dentro da máquina administrativa, mas com as famílias que sobrevivem em função da gestão pública, seja em que patamar estiver, com as empresas e com as corporações, seja em função da suas demandas ou das suas ofertas de serviços. O Estado não pode, pela força de sua própria natureza, fugir das suas obrigações com o equilíbrio financeiro da nação, nem muito menos transferi-lo para outrem, senão aquele que é o próprio responsável pela proposição orçamentária.

Profunda, complexa e mais dura fica a situação do Estado, quando de público o Poder Executivo, em inédita postura na história brasileira, apoiado numa inconveniência lingüística, para explicar a palavra “meta”, envia um orçamento para o Congresso Nacional, referente ao ano de (2016), mediante alegação que o déficit orçamentário primário está na “meta” do Executivo. Impossível entender, no mais rude dos dicionários, que a palavra “meta” significa alcançar positivamente objetivos, pois, nem gramaticalmente, nem economicamente existe “meta” negativa, seria um contra senso lingüístico e, economicamente, estaria por se reconhecer que uma nação pode evoluir (involuir) negativamente, apesar de todos os fatores de crescimento que envolvem a programação orçamentária.

Lamentavelmente, a linguagem de apresentação do orçamento, apoiada em palavras que justificam uma adesão ao realismo político, e uma confissão discursiva de adesão ao realismo administrativo, na verdade permite que se conclua que nos anos anteriores (2014 e também neste ano de 2015) não se trabalhou com evidente realismo e nem muito menos transparência, causa remota, se não imediata, do esdrúxulo orçamento com projeção deficitária. Afinal para onde vamos? Ainda no contexto lingüístico utilizou-se a palavra de peso condicional “meta”, na apresentação pública do orçamento, própria de nossa legislação constitucional e administrativa, como uma palavra de significado neutro, insistindo inclusive, que ela enquanto “significante” não traduz um sentido positivo e nem negativo, de certa forma, pretendendo-se com isso fugir do seu fundamento incondicional.

Não há como desconhecer que a palavra “meta” está totalmente comprometida no orçamento anual com a palavra “diretrizes”. A Constituição é clara quando fala em “metas” da administração Pública Federal, para as despesas de capital e para outros programas continuados. Não fosse somente isso, a mesma Constituição dispõe que a Lei de diretrizes orçamentárias, compreenderá as “metas” e prioridades da administração, tendo em vista o exercício financeiro futuro (subseqüente). Diz ainda o texto condicional, que a lei orçamentária anual, não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa. Não há, por conseguinte, constitucionalmente orçamento com previsão deficitária (primária). Isto é um trágico posicionamento: ou Executivo, titular da competência da elaboração orçamentária, recua, ou o Congresso, na sua sabedoria, corrige. Mas o país está em “cheque mate”.

Interessantemente a própria Constituição veda a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários. Infelizmente, evitando uma transcrição mais ampla da Constituição (Seção I, II e III, Capítulo II do título IIII), enviar um orçamento para o Congresso em 2015, para execução em 2016, significa que a receita deve ser maior do que a despesa, que o déficit primário não pode ser pressuposto da ação orçamentária. É uma situação caótica. Imagine-se este quadro numa família ou numa empresa? Se o país não esta em efetiva situação de falência, as providências para superar a tragédia anunciada em números, é um problema do gestor, a menos que inconstitucionalmente se absorva a transferência. A correção das dificuldades que advieram com os desencontros das despesas públicas, não pode ter como saída o sacrifício dos sacrificados, mas ele tem que provocar uma profunda releitura retrospectiva de suas causas e buscar os responsáveis, que com certeza terá suas razões avaliadas

Está efetivamente claro, que o Executivo procura transferir a declaração de falência para o Congresso, e o Congresso, senão reagir, dimencionalizando as responsabilidades do Poder Executivo, poderá transferir para a sociedade o fracasso de seus integrantes, para compreender aqueles que prenunciaram o sucesso e a glória nas políticas de inclusão assistencial, sem as conseqüentes providencias estruturais. Lamentavelmente, elas não foram providenciadas ao nível necessário para resguardar a tranqüilidade orçamentária, deixando visível que o gestor venceu barreiras de pobreza, mas poderá provocar a falência das receitas dos programas sociais, comprimindo a produtividade agrícola, industrial, comercial, os serviços e os programas de inovação tecnológica. O Congresso vai assumir este quadro?

O Executivo, senhor de suas próprias contas, está diante de um simples dilema: o realismo e a transparência alegada na apresentação do orçamento de 2016, significa o reconhecimento de que as obscuras movimentações denunciadas nos tribunais, referentes a anos anteriores, não podem ser orçamentadas e nem coletivizadas, como erros dos contribuintes, mas como eventuais desvios de gestão das contas nos anos de 2014 e 2015. O sucesso na melhoria da linha de pobreza não é suficiente para justificar a falência orçamentária, como argumento de convencimento, pelo contrário, o Executivo abre as suas entranhas de horror para o povo incauto e deixa estarrecida as classes trabalhadoras e produtivas.

Finalmente, o mais lamentável, todavia, é que ninguém é responsável, as lideranças do Congresso não são explícitas, se contorcem diante da eventual tragédia nunca dantes ocorrida na história do Brasil. A coragem de se remeter ao Congresso, um documento com tamanha evidência de desprezo pela nação, não pode ser um documento reconhecido pela nação.

Aurélio Wander Bastos
Jurista e cientista jurídico.

A Voz do Cidadão


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