segunda-feira, 4 de junho de 2018

China fecha a torneira do crédito à Venezuela

XAVIER FONTDEGLÒRIA

No ano passado o país não recebeu recursos dos bancos institucionais chineses, que observam com preocupação a deterioração de sua crise econômica e política

China interrompeu abruptamente a concessão de empréstimos à Venezuela, coincidindo com a deterioração da crise econômica e política do país latino-americano. Pela primeira vez em praticamente uma década, do ano passado até agora os bancos institucionais chineses não deram novos créditos a Caracas, um indicador que, de acordo com as fontes consultadas, responde à crescente preocupação do gigante asiático com a sustentabilidade de seus investimentos e a capacidade do Governo de Nicolás Maduro de devolver o que foi emprestado.

Por meio do China Development Bank (CDB) e do Eximbank, a China concedeu à Venezuela empréstimos no valor de 62,2 bilhões de dólares (aproximadamente 234,26 bilhões de reais) entre 2005 e 2016, de acordo com o relatório anual do centro de estudos Diálogo Interamericano, tornando-se o principal credor de um país que viu fechado seu acesso aos mercados financeiros internacionais. Caracas, que prometeu pagar os empréstimos em remessas de petróleo, encontrou sérias dificuldades para cumprir suas obrigações nos últimos anos diante da queda dos preços do petróleo e do declínio da produção de sua petrolífera estatal, a Petróleos de Venezuela (PDVSA).

Em um comunicado, o Ministério das Relações Exteriores da China afirma que a cooperação financeira entre os dois países “é completamente legal” e “funciona sem problemas”. No entanto, um alto funcionário do CDB, que preferiu manter o anonimato por causa da sensibilidade do assunto, afirmou a este jornal que “acompanhamos com preocupação tudo o que está acontecendo na Venezuela e estamos agindo de acordo com a situação”.

A entidade em que trabalha reduziu rapidamente sua exposição ao país: 5 bilhões de dólares emprestados em 2015, 2,2 bilhões de dólares em 2016 e zero em 2017. Tampouco foram divulgadas novas operações neste ano, mas os especialistas duvidam que existam. “Dificilmente será enviado mais dinheiro à Venezuela, a menos que as coisas mudem muito”, explica um gerente familiarizado com as operações do Fundo de Cooperação China-América Latina.

As dificuldades da Venezuela em pagar os empréstimos à China podem ser percebidas pela queda do valor do fornecimento de petróleo por parte da PDVSA ao país asiático: se em 2014 foram enviados a Pequim barris de petróleo no valor de 14,371 bilhões de dólares, em 2016 o número caiu para 5,803 bilhões de dólares, de acordo com dados da própria empresa.
A China, apesar do fato de que a crise na Venezuela ter começado muito antes de 2017, não deixou de conceder novos empréstimos à Venezuela até aquele ano. Margaret Myers, coautora do relatório do Diálogo Interamericano, explica que as autoridades chinesas “tinham alguma esperança de que, por meio de consultas com o Governo venezuelano ou financiando a produção de petróleo, poderiam ajudar a resolver a situação no país ou pelo menos manter o status quo. No entanto, não foi esse o caso. Desde 2016 e especialmente em 2017, perceberam que a melhor opção é simplesmente esperar e ver como a situação se resolve”.

Caracas tem empréstimos a reembolsar à China no valor de 19,3 bilhões de dólares. Pequim demonstrou flexibilidade com o Governo de Maduro e concedeu-lhe um período de carência de dois anos em 2016, no qual o isentou temporariamente de pagar o principal da dívida e exigiu apenas o pagamento de juros, um prazo que já expirou. O mais provável, segundo a agência Reuters, é que esse acordo seja estendido, o que daria algum oxigênio às autoridades venezuelanas. O CDB, o Eximbank e o Ministério das Relações Exteriores não quiseram dar sua versão sobre a renegociação ou extensão desse acordo, que deveria ser formalizado imediatamente.

“Eles não têm outra escolha”, diz Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim e sócio da Fundação Carnegie, em referência ao papel de Pequim. “Você só pode fazer duas coisas se o seu credor não puder pagar: reestruturar a dívida ou anunciar sua inadimplência, e esta segunda opção é muito difícil de acontecer entre dois países”. Para o especialista, a única saída dada a atual situação é o perdão de parte da dívida, algo que a China não considera no momento porque implicaria o reconhecimento tácito de que parte de sua estratégia como investidor no estrangeiro resultou em fracasso. “[Pequim] vai tentar todas as alternativas possíveis até finalmente reconhecer que deve aceitar esse perdão”, diz Pettis.

No entanto, isso não significa que a China vá renunciar a tudo que foi investido na Venezuela na última década. Para Myers, embora as autoridades chinesas estejam cientes da deterioração da situação, farão todo o possível para manter a estrutura desses empréstimos e continuar com os contratos firmados. “O objetivo é manter intacta sua influência no setor petroleiro do país com quem estiver no poder nos próximos anos”, afirma.

EL PAÍS

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