domingo, 10 de junho de 2018

As fabulosas indenizações do TCU que chegam a R$ 500 mil

Lúcio Vaz

Exigente com a aplicação do teto constitucional no Congresso Nacional, o Tribunal de Contas da União (TCU) paga indenizações vultuosas a seus ministros por meio dos mais variados penduricalhos. São férias não usufruídas, licenças-prêmio, despesas médicas, bolsa de estudo, diárias e retroativos de auxílio-moradia e abono permanência. Apenas uma indenização por férias não gozadas rendeu R$ 516 mil, pagos de uma só vez.

Levantamento feito pelo blog nos últimos cinco anos mostra que as maiores boladas vêm depois da aposentadoria. Com direito a duas férias por ano, apesar do recesso de um mês no final do ano, alguns ministros não usufruem do descanso e recebem a indenização quando vestem o pijama, com o acréscimo de um terço do valor. Como se trata de indenização, não pagam Imposto de Renda.

O ministro aposentado Adylson Motta esteve no cargo por sete anos e sete meses, entre 1999 e 2006. Foi indenizado por 438 dias de férias não gozadas – o equivalente a 14,6 meses. O tribunal inicialmente negou o direito ao ex-ministro, por meio do Acórdão 349/2012, decidindo que ele só poderia receber o equivalente a dois anos, como prevê a Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Os ministros do TCU são equiparados em quase tudo aos ministros dos tribunais superiores, inclusive na parte de vencimentos e vantagens.

Em agosto de 2013, o TCU determinou o corte do valor dos salários dos servidores da Câmara dos Deputados que excediam o teto constitucional – R$ 26,7 mil na época. Auditoria do tribunal apurou que mais de mil servidores da Câmara estavam com a remuneração em situação irregular. A decisão também foi aplicada ao Senado Federal.

“Acúmulo de férias por interesse particular”
No voto vencedor, a ministra Ana Arraes fundamentou o seu voto com base no parecer do Ministério Público do TCU. O parecer destacou que, quando um ministro sai de férias, um auditor é automaticamente convocado para substituí-lo, sem que haja prejuízo incontornável para o desempenho das atribuições da Corte de Contas. “É razoável afirmar que o magistrado tenha dado causa ao acúmulo de férias por interesse particular e não como fruto de uma necessidade institucional, para obter na aposentadoria um prêmio não previsto em lei”, diz o parecer do MP.

Mas Motta recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ganhou a ação, em maio de 2013. A Segunda Turma do tribunal decidiu que, diante da impossibilidade do gozo das férias em virtude da aposentadoria, a limitação de indenização a dois anos resultaria no “enriquecimento sem causa da administração pública”. A decisão abriu a porteira para novas indenizações.

Motta recebeu a sua parte em novembro de 2013. Naquele mês, teve renda total de R$ 547 mil. Em maio de 2014, o ex-ministro Valmir Campelo foi indenizado em R$ 118 mil. Ele recebe aposentadoria básica de R$ 32 mil, fora indenizações. Como senador aposentado, conta com mais R$ 12 mil do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). Não sofre o abate-teto porque, embora o instituto seja custeado pelos cofres públicos, foi considerado pelo TCU como uma entidade privada. Mas essa é outra história.

Em novembro de 2015, Campelo recebeu mais uma bolada de R$ 217 mil por férias indenizadas. No mesmo mês, o ex-ministro Guilherme Palmeira foi contemplado com R$ 117 mil pelo mesmo motivo. O ministro aposentado Ubiratan Aguiar recebeu mais R$ 57 mil. Em novembro de 2014, o ministro aposentado José Jorge já havia sido indenizado em R$ 170 mil por férias não usufruídas. Jorge também recebe mais R$ 12 mil pelo IPC.

TCU decide: ministros do tribunal têm direito a auxílio-moradia
Os ministros do TCU não têm direito a indenizações de férias acima de dois períodos quando estão na ativa, mas contam com outros benefícios. No Acórdão 178/2015, por exemplo, o TCU decidiu que os ministros do tribunal têm direito à ajuda de custo para moradia, de caráter indenizatório, com efeitos financeiros a partir de setembro de 2014. O reconhecimento do direito foi solicitado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), com base em decisão do STF que estendeu o benefício a todos os magistrados do país.

Relator do processo no TCU, o ministro Raimundo Carreiro propôs que o tribunal determinasse “as providências necessárias à implementação do direito” aos ministros e procuradores do Ministério Público do tribunal, mediante requerimentos individuais dos interessados. Em fevereiro de 2016, Carreiro teve renda bruta de R$ 123 mil, sendo R$ 77,5 mil relativos a “auxílios e benefícios”. Ali, estavam incluídos R$ 76,7 mil de auxílio-moradia retroativo a setembro de 2014.

Em julho de 2016, o ministro Augusto Sherman recebeu R$ 94,9 mil de auxílio-moradia retroativo – verba de natureza indenizatória sobre a qual não incide imposto de renda nem qualquer outro desconto. Naquele mês, a sua renda bruta chegou a R$ 140 mil.

Auxílio-moradia ou imóvel funcional
Atualmente, 13 autoridades do TCU recebem o auxílio-moradia de R$ 4.377 – os ministros André Luís de Carvalho, Augusto Nardes, Augusto Sherman Cavalcanti, Benjamin Zymler Marcos Bemquerer, Raimundo Carreiro e Weder de Oliveira; além dos procuradores Cristina Machado, Júlio Marcelo de Oliveira, Lucas Rocha Furtado, Marinus Marsico, Paulo Bugarin e Sérgio Caribé.

Os demais não recebem porque ocupam imóveis funcionais. Ana Arraes, Aroldo Cedraz, José Múcio e Vital do Rego moram em imóveis funcionais cedidos pelo Senado, mediante acordo de cooperação. Bruno Dantas ocupa imóvel funcional cedido pelo TCU. Walton Alencar não recebe o auxílio porque a sua esposa é ministra do Superior Tribunal de Justiça e recebe por lá. O procurador Rodrigo Medeiros de Lima não tem o direito porque sua esposa é juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e já recebe o benefício.

O TCU foi questionado se os ministros que têm moradia própria em Brasília recebem o auxílio-moradia. O tribunal respondeu que a fundamentação legal para o pagamento do benefício está na Resolução 199/2014 do Conselho Nacional de Justiça e no Acórdão 178/2015 do TCU, que “não trazem vedação à situação mencionada. Portanto o tribunal não exige a informação sobre existência de imóvel próprio na localidade para as autoridades que recebem o auxílio”.

O valor que extrapolou o teto
O pagamento retroativo do abono de permanência – pago a servidores públicos e membros de poder que permanecem na ativa mesmo tendo direito à aposentadoria – também rende algumas boladas aos ministros do TCU. Em fevereiro de 2015, Augusto Sherman teve direito a R$ 89,4 mil relativo a esse retroativo, ficando com renda bruta de R$ 140 mil.

Questionado sobre o motivo desse pagamento extra e por que o ministro não sofreu o abate-teto, o tribunal informou: “o valor pago, que extrapolou o teto constitucional, é referente ao abono de permanência, direito assegurado pela Constituição Federal e que foi pago com efeito retroativo. O abono de permanência era devido à autoridade desde setembro de 2012”. Foi pago o valor de R$ 107 mil, com descontos de R$ 29 mil.

O TCU acrescentou: “é importante esclarecer que, sobre as verbas indenizatórias, como regra, não incide Imposto de Renda. No caso específico do abono de permanência, por sua vez, há a tributação, uma vez que a rubrica – que equivale à devolução de contribuição previdenciária mensal daquele que completou as exigências para aposentadoria – aumenta a base de incidência do imposto. O TCU cumpre rigorosamente a Constituição Federal, fazendo a glosa dos valores que ultrapassam o limite do teto remuneratório, que é o salário de ministros do STF”.

Em dezembro do mesmo ano, o ministro Raimundo Carreiro recebeu R$ 122 mil de abono de permanência retroativo a abril de 2007. Com os descontos, caíram R$ 104 mil na sua conta. A sua renda bruta alcançou R$ 174 mil naquele mês. Na última folha de pagamento, em maio deste ano, a ministra Ana Lúcia Arraes recebeu R$ 68,8 mil de abono permanência. A renda total ficou em R$ 114 mil.

Licença-prêmio indenizada
A licença-prêmio é concedida a servidores públicos na proporção de três meses de afastamento a cada cinco anos de trabalho. O TCU e o STF decidiram também nesse caso que a licença pode ser convertida em indenização em dinheiro na aposentadoria, “sob pena de enriquecimento sem causa da administração pública”. No TCU, o benefício tem rendido valores elevados.

Em março de 2014, o ministro aposentado Ewald Sizenando Pinheiro, assegurou uma indenização de R$ 264 mil. Sua renda bruta bateu em R$ 292 mil. No mesmo mês, Luciano Brandão foi contemplado com R$ 103 mil pelas licenças não usufruídas. Em junho, José Antônio Macedo recebeu R$ 63 mil de indenização.

Despesas médicas
Mas a lista de privilégios ainda não acabou. Além das mais variadas indenizações, os ministros do TCU ainda contam com plano de saúde aliado a ressarcimento de despesas médicas. Em janeiro deste ano, o ministro aposentado Guilherme Palmeira teve reembolso de plano de saúde de R$ 6,2 mil, mais R$ 61,2 mil de ressarcimento de despesas médicas. Em maio de 2016, o ministro Aroldo Cedraz recebeu R$ 5,3 mil de plano de saúde, mais ressarcimento de R$ 26,7 mil de despesas médicas e R$ 374 de despesas com medicamentos.

Em abril de 2016, o ex-ministro Marcos Vilaça teve ressarcimento de despesas médicas no valor de R$ 56,6 mil, mais R$ 2,9 mil de plano de saúde. No mês seguinte, foi indenizado em mais R$ 68 mil por despesas médicas.

Questionado se os ministros têm liberdade para fazer as despesas médicas e depois apresentar a conta ao tribunal, como acontece com os senadores, o TCU respondeu que as despesas médicas “serão devidamente justificadas, comprovadas e autorizadas previamente pelo presidente, após parecer da área de saúde do Tribunal. É fixado um montante máximo anual de recursos orçamentários para fazer face aos ressarcimentos dessas despesas”.

Gazeta do Povo



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