sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Insegurança Jurídica e Irresponsabilidade Política

Luiz Eduardo da Rocha Paiva

A Procuradora Geral da República defende o "reconhecimento da imprescritibilidade dos crimes de tortura, a reflexão a respeito do alcance da anistia [e que] a natureza permanente do crime de ocultação de cadáver [-] afasta por completo qualquer cogitação de prescrição". Pretende, certamente, a revisão da anistia de 1979, para punir agentes do Estado que combateram a luta armada.

Quanto à prescrição, a Constituição Federal de 1988 (art.5º, XLIV) considera imprescritíveis apenas os crimes de “racismo e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Tortura continuou prescritível, mas deixou de ser anistiável (art.5º, XLIII), embora tal restrição não possa retroagir contra os anistiados em 1979, conforme o mesmo artigo, nos incisos XXXVI (direito adquirido) e XL (irretroatividade da lei penal).

O art.5º é cláusula pétrea e, por isso, não pode ser alterado nem por emenda constitucional. A Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Contra a Humanidade (ONU-1968) não foi ratificada pelo Brasil e a competência da Convenção Interamericana de Direitos Humanos foi ratificada por nosso país para julgar apenas violações cometidas após 1998. Por isso, sua condenação ao Brasil, em 2010, por supostos crimes no Araguaia nos anos 1970, é inválida.

Se a Procuradora Geral, equivocadamente, evoca instrumentos internacionais não ratificados pelo Brasil até 1979, propondo repensar a anistia, por coerência, deveria evocar, também, os que implicariam repensar a anistia dos militantes da luta armada. A Assembleia Geral da ONU (2005) aprovou os Princípios e Diretrizes Básicas sobre o Direito [-] à Reparação para Vítimas de Violações de DH [-], em que os Estados se obrigam a: investigar e tomar providências contra os responsáveis por violações, incluindo indivíduos e entidades; garantir a reparação das vítimas; e revelar a verdade, incluindo-a em documentos de ensino (artigos 15 a 22). Por que a Comissão (da omissão) da Verdade não cumpriu essa legislação?

Pela Lei de Anistia (art.1º), foi “concedida anistia a todos quantos, no período [-] cometeram crimes políticos ou conexos com estes [-]” e foram considerados conexos, para efeitos deste artigo, “os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política” (§1º do art.1º). O limite da anistia não estava nem mesmo na natureza do crime e sim na sua motivação. Sepúlveda Pertence, representante da OAB na elaboração da lei, disse: “nenhuma voz se levantou para pôr em dúvida a interpretação de que o art.1º; §1º implicava a anistia da tortura e dos assassínios perpetrados por servidores públicos”.

A anistia ampla e geral era condição para redemocratizar o país sem retrocessos e os legisladores, cientes do anseio de pacificação da sociedade, tiveram essa intenção. Assim, esse é o espírito da lei, que não admite reinterpretação fora do contexto histórico. Para completar, a anistia foi reafirmada na Emenda Constitucional Nr 26/1985, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte e estabeleceu no art.4º; §1º: “É concedida [-] anistia aos autores de crimes políticos ou conexos [-]”. É a própria Constituição de 1988 acolhendo a anistia.

Em 2010, a mesma OAB, que participara e concordara com o texto de 1979, entrou no STF com um pedido que visava a reinterpretação da norma, para que fossem julgados agentes do Estado supostamente envolvidos em crimes no combate à luta armada. A petição foi derrotada por sete votos a dois, sendo contrários ao pleito da OAB o voto do relator e os pareceres da Advocacia Geral da União e da Procuradoria Geral da República. Ora, a justiça mudaria conforme a crença (ou ideologia?) do Procurador(a) Geral de plantão? E como fica a segurança jurídica?

A anistia não foi unilateral como a esquerda ilude a sociedade, mas sim ampla, geral e irrestrita, com negociação aberta entre governo, oposição e sociedade civil e com o Brasil em plena redemocratização, pois o AI5 fora revogado. Os militantes da luta armada receberam tudo que precisavam para voltar à vida normal. Que mais queriam? Que o vencedor lhes desse os meios de vingança?

O crime de desaparecimento forçado, por não estar tipificado à época, só podia ser enquadrado como sequestro, um delito continuado. Contudo, a Lei de Indenizações (Nr. 9.140/1995) reconheceu “como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas [-] detidas por agentes públicos, achando-se, [entre 1961-1988], desaparecidas, sem que delas haja notícias” (art.1º). A Lei teve o apoio das famílias de desaparecidos, interessadas em se habilitar às indenizações.

Ora essa, pessoas desaparecidas, mas reconhecidas como mortas para todos efeitos legais, não podem estar sequestradas e assim tem decidido a justiça. Há controvérsia jurídica quanto à caracterização do crime de ocultação de cadáver. Existem decisões judiciais reconhecendo sua prescritibilidade, por ser um crime instantâneo, concretizado no ato do desaparecimento do corpo, quando inicia a contagem do tempo de prescrição. Os efeitos seriam permanentes, mas não o crime.

Anistia é instrumento político de pacificação e não jurídico, extinguindo o crime e a punibilidade. Não defendo terrorismo, tortura, sequestro e execução por militante da luta armada nem por agente do Estado, mas a sim a anistia ampla, geral e irrestrita acordada em 1979. As anistias pacificaram o Brasil nos conflitos de nossa História, assim, se a sua credibilidade for comprometida, nunca mais será eficaz em futuros confrontos entre irmãos.

O STF será um veículo de insegurança jurídica, se voltar a julgar questões já decididas, cedendo à pressão de grupos ideológicos socialistas revanchistas, cujas ações fraturaram a coesão nacional. Será irresponsabilidade política com risco à paz social.

Luiz Eduardo da Rocha Paiva
General de Divisão, na reserva. O artigo foi enviado a um jornal que recusou a publicação. Ou seja, o artigo do General foi devidamente censurado...

Artigo no Alerta Total


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