quinta-feira, 8 de outubro de 2015

9 razões para entender por que a crise definitivamente está longe de acabar

Felippe Hermes

A cena é comum: um jornalista anuncia um novo dado econômico não muito favorável ao governo e, na sua lista de contatos em sua rede social favorita, não demora para aquele seu amigo governista se apressar em virar o foco para o responsável pela notícia. Tal ideia esdrúxula de que a culpa pela crise seja daquele que veicula as notícias, nos rendeu clichês hilários – segundo o qual “não há crise, pois a produção de batatas em Minas Gerais bate recorde” – e uma boa noção de como a economia parece coisa de outro mundo para a maior parte das pessoas que supostamente se dispõem a ensinar. Nada pode ser mais absurdo do que sugerir que o bom humor do jornalista influencia sua capacidade de consumo ou suas escolhas de onde investir. No entanto, para aliviar a culpa do governo nisso tudo, vale qualquer coisa.

Esta confusão, no entanto, decorre de um fato um pouco mais complexo. No dicionário dos economistas, expressões como bem-estar, utilidade, ajuste ou expectativas, não são expressões como as que usamos no cotidiano, mas  um resumo de uma bem embasada teoria econômica. Ao dizermos que as expectativas são parte importante da economia, não estamos afirmando, portanto, que o mal humor de uma jornalista num programa matinal levará ao cancelamento de um projeto bilionário que terminaria por gerar milhares de empregos.

Grandes empresas e instituições financeiras necessitam estimar seus mercados no futuro, e para isso investem em inúmeras pesquisas, quase nunca precisas em valores, mas corretas em tendências. E são justamente as tendências que nos levam a definir investimentos e consumo futuros. Para descobri-las, é importante antes de tudo respeitar a complexidade do mercado, aquele ser abstrato resultante das relações de escolha de cada um dos indivíduos.

Inúmeros indicadores são utilizados para nos aproximarmos da realidade. Por tentarem prever o ritmo ou o rumo da economia, são chamados de “indicadores antecedentes”. Um bom exemplo é o papelão ondulado, que, por estar presente em diversos processos industrias, é capaz de mostrar antecipadamente a atividade industrial.
Com base em análises de indicadores antecedentes é possível capturar tendências e se preparar melhor para o futuro. A partir disso, selecionamos 9 indicadores que ajudarão você a entender em que estágio da crise estamos e o que podemos esperar para os próximos anos.

EM QUE PÉ ESTAMOS?

1. O DESEMPREGO CRESCEU EM 22 ESTADOS E JÁ SUPERA OS 10% NO NORDESTE.
Poucos temas são tão sensíveis para um governo quanto emprego e renda. Costuma-se dizer que toda crise política é superável se o povo estiver empregado e consumindo. No Brasil, o desemprego é, ao lado da inflação, o indicador mais latente de uma crise.

Na propaganda oficial, todos os R$ 458 bilhões dados em desonerações de impostos pelo governo, todos os bilhões destinados a grandes empresas, todas as obras na América Latina financiadas com o seu dinheiro, possuem uma justificativa clara: a manutenção do emprego.

Para o governo, tudo estava sob controle na medida em que ele assegurava o emprego e a renda. O problema é exatamente o que já comentamos aqui: o emprego e a renda não são deslocados da realidade. Pelo contrário, como mostrou o Mercado Popular, a correlação entre o crescimento e a geração de empregos é bastante precisa. 

2. A INFLAÇÃO ESTE ANO DEVE ATINGIR 9,46%.
Acostumados à época de hiperinflação, a maior parte dos brasileiros saberia associar o crescimento da inflação à queda na sua renda de uma forma que muitos economistas sequer sonham em entender. Ponto chave da maior concentração de renda do plano, a inflação foi e ainda é o maior dos temores dos brasileiros no campo econômico.

Por conta disso, ao longo dos últimos anos, o governo tratou de esconder os efeitos na inflação de sua política expansionista por meio de uma maquiagem de dados. Como já explicamos aqui, o governo utilizava dinheiro de impostos para impedir aumentos de preços. Aumentos de preços entram no índice de inflação, gastos com impostos (seja para pagar as concessionárias de energia, de gás, combustível, etc), não entram.

Esta é essencialmente a razão para a inflação chegar ao mais alto valor em 13 anos. Os preços anteriormente subsidiados pelo governo agora estão sendo reajustados

3. TEREMOS PELA PRIMEIRA VEZ EM 8 DÉCADAS UMA QUEDA NO PIB POR 2 ANOS SEGUIDOS.
O  biênio 2015-16 deverá entrar para a história como o segundo pior período de crescimento econômico da economia brasileira. O último resultado neste nível foi aquele registrado nos anos de 1930 e 1931, quando a economia brasileira ainda era essencialmente uma economia dependente das exportações de café. A queda na cotação internacional levou o país ao caos econômico.

Graças a um trimestre positivo em 2014, porém, escapamos de ter o maior período recessivo da história. Nosso crescimento nulo, no entanto, não eliminou a tendência de queda registrada há alguns semestres – como ficamos sabendo recentemente, o resultado foi fortemente impactado pelo medo da presidente de que ajustar a economia lhe custasse a reeleição.

Mais do que o valor exato do PIB, a economia aponta a tendência – e o que a rejeição dos membros do governo ao ajuste deixa transparecer é que pouco ou nada mudará depois de sanados os maiores problemas.

4. O CÂMBIO ESTÁ NO SEU MAIOR VALOR HISTÓRICO?
Como já comentamos anteriormente, o câmbio é uma variável importantíssima no dia a dia de qualquer país, até mesmo de países como o Brasil que possuem a menor relação de comércio exterior no mundo, menor até que a de Cuba, que sofre um embargo econômico.

Desde que lançamos nosso guia para entender o dólar, porém, inúmeras perguntas surgiram a respeito. Será este o maior valor histórico do dólar até então?

A pergunta é de fato absurda. Custa a acreditar que alguém comemore o fato de possivelmente já termos estado pior quando vemos notícias como sobre o aumento no custo de vida da população. A correção do dólar pelo seu valor real é uma prática comum no mercado. De fato, não estamos no pior momento da história. O que vemos, porém, é uma constante trajetória de declínio do poder da nossa moeda, a segunda que mais perdeu valor no mundo.

O resultado é o prejuízo de mais de R$ 70 bilhões tido pelo Banco Central com contratos de compra e venda do dólar. Sim, R$350 para cada cidadão brasileiro perdidos em poucos meses apenas pelo custo do governo em manter o dólar. Com isto é certo: apesar de já ter estado mais caro antes, em nenhum momento o dólar nos deu tantos prejuízos.

E O GOVERNO, COMO ESTÁ E COMO ESPERA ESTAR NOS PRÓXIMOS ANOS?

5. O GOVERNO CORTOU AS METAS DO AJUSTE FISCAL EM QUASE 80%, MAS PROMETEU NÃO INVENTAR NÚMEROS PARA OS ANOS SEGUINTES.
O ajuste fiscal, a tentativa do governo de equilibrar suas contas, possui alguns objetivos não explícitos além daqueles expostos. O primeiro e mais claro deles é equilibrar despesa e receita e fazer o governo economizar dinheiro no chamado superávit primário. Em janeiro, quando Joaquim Levy assumiu, a meta era de 1,2% para este ano. Hoje encontra-se em 0,15%.

Outro aspecto pretendido por Levy era desarmar a bomba criada pelo controle de preços. Neste aspecto, o governo parece mais bem sucedido. Às custas de milhares de empregos perdidos, uma queda abissal no consumo e algumas centenas de bilhões a mais em juros da dívida pública, o governo parece ter colocado a inflação de volta ao rumo. Em agosto tivemos uma alta de 0,22% – apesar disso, o mercado ainda projeta uma inflação acima de 9% este ano e conta com um índice de 5,87% no próximo ano.

As metas dos próximos anos, apesar de mais modestas, ainda permitem ao governo ser realista. Temos gastos não financeiros superiores a receitas não financeiras (déficit primário), projetado pela primeira vez na história. A premissa do governo parece ser a de que o melhor remédio é a verdade. Uma tática nova e ousada: tudo indica que após anos de contas maquiadas possa ser positivo.

6. A DÍVIDA PÚBLICA ATINGIU R$ 3,685 TRILHÕES (64,6% DO PIB), E DEVE CHEGAR A 69,6% EM 2018.
Possivelmente você já leu ou ouviu alguém dizer que a dívida brasileira é baixa em relação a inúmeros países. Não é incomum lermos comentários espantados com a dívida americana atingindo 100% do seu PIB, ou então a respeito dos 200% da dívida japonesa. A confusão é comum e decorre de um erro simples. Apesar de imensas, as dívidas públicas destes países costumam ser bem menores quando olhamos o total de patrimônio e poupança disponível nestes países.

Como mostrou em sua palestra recente Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, a dívida americana equivale a 1/5 de toda a poupança disponível no país, enquanto a brasileira é equivalente a 2/3. Tanto americanos quanto japoneses possuem uma capacidade relativamente alta de se financiar, podem pagar juros próximos de zero, enquanto pagamos no Brasil os maiores juros do mundo. Essa é a razão pela qual a dívida brasileira é um problema maior. Quando olhamos o nosso resultado fiscal total, considerando os juros da dívida, vemos déficit no valor de 8,81% do PIB. O valor é maior que o de países como EUA (5,5%), França (4,8%) e Espanha (5,7%).

Mas como a dívida aumentou se o governo reduziu os gastos? A resposta está na outra ponta. O custo com juros deve crescer de R$ 311 bilhões em 2014 para mais de R$ 480 bilhões em 2015, graças ao aumento do governo com juros, influenciados pela alta da SELIC. Outro fatores que influencia no aumento da dívida é exatamente o custo para controlar o dólar, que superou os R$ 70 bilhões.

E O QUE PODEMOS ESPERAR DOS PRÓXIMOS ANOS?

7. TRANSPARÊNCIA MAS NEM TANTO.
Baseados nas expectativas do próprio governo, os economistas Vilma Conceição Pinto e Lívio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FVG), projetaram os resultados mais prováveis para os próximos anos. O resultado? Um descompasso de R$ 200 bilhões. Este é o dinheiro que precisaria entrar em receitas não recorrentes, como as privatizações que Dilma promete fazer. Considerando as otimistas projeções do mercado para os próximos anos, os dois economistas acreditam que a tendência é de que a dívida pública chegue a elevados 69,6%, um aumento de quase 15 pontos percentuais em uma década.
Tal fator reduz a capacidade de investir do governo e impõem severas limitações.

Como a história nos mostra, os governos brasileiros enfrentam enorme dificuldade entre manter-se firme na realização de um ajuste de contas e às tentações de incorrer em gastos que gerem aumento na popularidade. Para os próximos anos devem entrar em vigor cortes vigorosos na previdência, como no seguro desemprego, aprovados este ano. Além de redução nos contratos do Minha Casa Minha Vida, anulação de novos concursos públicos, fim de reajustes de servidores, fim do Ciências Sem Fronteiras e, no que depender do governo, novos impostos.

8. A ECONOMIA IRÁ MELHORAR, DIFÍCIL É SABER QUANDO.
Para economistas como Eduardo Giannetti da Fonseca, conselheiro de Marina Silva nas últimas eleições e um dos maiores autores brasileiros na área de economia, os próximos 5 anos seguem incertos – o mais plausível é que teremos 5 anos bastante difíceis.

Para Giannetti, a soma de uma carga tributária de 36% e um déficit nominal de 8%, que nos colocaria em um gasto público da ordem de 44%, o maior do mundo entre os países de mesma renda que o Brasil, demonstra uma falência do modelo de expansão fiscal para saciar as necessidades do governo. A consequência é um esmagamento ainda maior do setor privado, que deverá arcar com este expansionismo público.

Setores como construção civil e automotivos, ambos fortemente afetados pela expansão econômica, preveem melhoras começando apenas em 2017. E as causas são fáceis de serem citadas: o nível de confiança do consumidor é o menor da história, nunca antes os consumidores brasileiros estiveram tão receosos de consumir quanto hoje, o que ajuda a nos levar ao menor índice de confiança da indústria na história e assim por diante em uma espiral negativa.

Com os anúncios do governo de que reduzirá os financiamentos imobiliários do Minha Casa Minha Vida, além de ser mais rigoroso em liberar novos créditos, a expectativa é de que a economia entre um marcha lenta por alguns anos. Não perto de uma década perdida como em 1980, mas ainda assim uma bela de uma oportunidade perdida para o populismo dos anos recentes.

9. A INFLAÇÃO DEVE CAIR, MAS OS BANCOS NUNCA ESTÃO CERTOS MESMO…
Apesar de estarem em alta há 8 semanas, as previsões para a inflação seguem otimistas, com uma previsão de que o índice chegue a 5,87% em 2016. As causas são simples. Os preços administrados pelo governo, que devem subir 15,5% este ano, em 2016 subirão menos de 6%. É o que acredita o mercado.


A relação entre expectativas e realidade aqui são, no mínimo, curiosas. Quem não se lembra da analista do Santander demitida após prever uma piora da economia com a reeleição de Dilma? Costuma-se dizer que nenhum banco arrisca acertar a previsão de inflação no início do ano. Se o banco prever uma inflação maior que aquela atingida de fato, ele estará sendo “pessimista”, se prever uma menor, então ele é só o banco, e como bem sabemos, bancos estão sempre errados e dispostos a nos trapacear, não é mesmo? Ao menos esta é a conclusão que se tem ao analisar os boletins com opiniões de dezenas de instituições. Nenhuma sequer consegue prever câmbio, inflação ou juros com exatidão.

Se o mercado passa a anunciar com maior certeza o que ocorrerá, temos aí uma profecia auto-realizada nos lançando em uma espiral negativa. No fundo, toda previsão é um eterno cabo de guerra. Vencer uma previsão e ganhar dinheiro com erros alheios nunca é bem visto – que o digam os gestores que lucraram bilhões em 2008 prevendo que os bancos americanos estavam emprestando para quem era incapaz de pagar suas hipotecas. Ninguém gosta de espertinhos que nos tirem a ilusão de poder acertar sem precisar de sacrifícios.

Spotniks



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