Editorial
O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um grande formulador, capaz de
ter uma visão de longo prazo para o país, consistente com as ideias
liberais das quais ele é um dos principais porta-vozes no Brasil há
muitos anos. Hoje, o diagnóstico dos problemas brasileiros parece claro.
Depois da Constituição de 1988, uma série de direitos sociais foram
incorporados como conquistas por uma população pobre que antes estava
fora do foco das políticas públicas.
Ao mesmo tempo, porém, ficaram intocados privilégios e subvenções com
dinheiro público dados a elites endinheiradas e a uma classe média
influente encastelada nas corporações estatais. Nestes 30 anos, a ação
do Estado se democratizou, mas seu peso sobre a sociedade brasileira
cresceu exponencialmente. Nas últimas décadas, um Estado obeso e
disfuncional passou a ser o mais sério entrave para a economia
brasileira, que, há muitos anos, cresce pouco. Esse mesmo Estado virou
uma “fábrica de desigualdades”, o “inferno dos empreendedores” e o
“paraíso dos rentistas”, que vivem dos altos juros pagos pelo governo
por causa do desajuste fiscal.
Na atual encruzilhada histórica em que se encontra o Brasil, o
liberalismo radical de Guedes, com sua terapia de choque para os
problemas nacionais, é positivo, como diz o economista André Lara
Rezende, um dos pais do Plano Real, em reportagem publicada nesta
edição. A pregação liberal, porém, não basta. É preciso ter um plano de
execução viável para colocá-la em prática. As condições políticas, como o
próprio Guedes alardeia, parecem ser favoráveis como nunca. A eleição
de Jair Bolsonaro como presidente representa uma ruptura com o sistema
político que governou o país a partir de 1988.
Há até mesmo uma base social inédita para o choque liberal. Bolsonaro se
elegeu com um discurso de enxugamento do Estado, e há uma multidão de
batalhadores da classe média emergente nas grandes cidades que
ascenderam socialmente com o próprio esforço durante o governo Lula e
não querem viver de emprego público nem depender de benefícios estatais,
o “açúcar” de nossa Suécia tropical, como diz, ironicamente, o filósofo
Roberto Mangabeira Unger.
Fã de “Sympathy for the Devil”, dos Rolling Stones, Guedes sabe que o
diabo mora nos detalhes. Para aproveitar essas condições favoráveis,
será necessário fazer política e chamar o diabo para dançar. Guedes
precisará construir alianças.
O ministro da Economia, que precisou da orientação de repórteres para
chegar, atrasado, à cerimônia de posse de Bolsonaro no Congresso
Nacional, terá de aprender a se movimentar pelos desvãos do poder em
Brasília. Se parece haver apoio social inédito para o choque liberal, há
também os velhos hábitos arraigados de uma cultura
patrimonialista-estatista que resistirá a mudanças e a reformas.
Essa cultura, ironicamente, vicejou sob o lema positivista de Ordem e
Progresso, cultuado no passado pelos militares e que Guedes considera
servir para ilustrar sua união com Bolsonaro. Guedes saberá ter “a
competência política, a moderação necessária para aprovar ou continuará
um provocador?”, pergunta Lara Rezende. Essa é a indagação de todos
diante do choque de realidade, o teste de estresse a que os planos de
Guedes passaram a ser submetidos desde 1o de janeiro.
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