Gaudêncio Torquato
Comecemos com uma analogia: os municípios formam a massa corporal da
Federação, os Estados ocupam o lugar do coração e o cérebro é a União. Se a
massa corporal padece de mazelas ou se o coração sofre graves distúrbios, o
cérebro não terá condições de resistir. Fenece. Pois bem, por melhores que
sejam expectativas em torno do governo Bolsonaro, as partes do corpo nacional
carecem de intenso tratamento. Essa é a condição para termos um país com boa
saúde financeira e capaz de suportar os abalos que costumam levar nossa
economia para a UTI.
Em outros termos: a vitalidade de um país exige que todas as partes que
o compõem sejam devidamente cuidados. A saúde da Federação há de contemplar uma
receita sistêmica, global, sem o que aparecerão descompassos, comprometendo sua
sanidade. Donde se extrai esta inferência: os entes federativos precisam passar
por rígido programa de controle de saúde fiscal-financeira, melhorar índices de
produtividade e, dessa forma, garantir condições para seu desenvolvimento.
O diagnóstico é péssimo. A dívida bruta de Estados e municípios com a
União chegou a R$ 908 bilhões. Centenas de prefeituras do país (entre as 5.568)
e mais da metade dos Estados deixam de cumprir a Lei de Responsabilidade
Fiscal, estourando o limite de gastos com pessoal e ingressando no inferno da
insolvência. As administrações não podem destinar mais de 60% da receita
corrente líquida à folha de pessoal. Em alguns Estados, o comprometimento
ultrapassa 75%, chegando-se ao estouro da boiada, como é o caso do Rio Grande
do Norte, onde este índice é de 86%.
A crise fiscal de municípios e Estados se agrava há tempos. De 2010 a
2016, as receitas primárias de Estados mantiveram-se estáveis, mas o orçamento
com pessoal ativo e inativo cresceu 6,5 pontos que, somados ao custeio,
aumentou a despesas em 9,9 pontos percentuais.
Em outros números, a média do crescimento real com gasto de ativos e
inativos aumentou em 57%. Em 5 Estados, esse gasto ultrapassou 80%. O PIB real
cresceu apenas 52,61% no mesmo período. Estados poderosos no passado, Minas
Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul afundam no poço do desequilíbrio
fiscal-financeiro. Outros, como o RN, estão na UTI dos doentes terminais.
Explica-se assim a precariedade dos serviços públicos. Cada vez mais há
menos recursos para a execução de políticas públicas, abrindo imensas crateras
no bojo social, com danos visíveis nas frentes de saúde e segurança pública.
Uma estética de miséria emoldura os corredores de hospitais, superlotados de
doentes, enquanto nas vias públicas a população assiste à depredação de
patrimônios. Uma calamidade.
O maestro Paulo Guedes atua na esfera cerebral da Nação, devendo arrumar
propostas para a recuperação de Estados e Municípios,com realce para ações na
área da tributação, incentivos aos segmentos de mão de obra intensiva, e corte
de braços de estatais, com sua passagem para a iniciativa privada. Um Estado
menor constitui alavanca do empreendedorismo. O país carece de investimentos
para animar o ambiente de negócios. E de outras iniciativas como melhoria do
regulamento ambiental, revisão da lei de falências etc.
Prioridade nº 1: aprovar a Reforma da Previdência, decisiva para
viabilizar a administração federal.
Em suma, a saúde da Nação exige que todas as partes do corpo recebam
remédios adequados.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da
USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
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