Kersten Knipp
Formação
da coalizão com mais de 30 países reforça guerra por procuração entre Arábia
Saudita e Irã na região. Situação, alertam especialistas, pode se agravar
sobretudo para civis sírios.
Nos
próximos meses, o céu sobre a Síria deverá registrar um tráfego aéreo ainda
mais intenso do que o atual. Já há anos, o regime de Bashar al-Assad tem jogado
bombas sobre a população civil. Mais tarde vieram os ataques aéreos da coalizão
liderada pelos EUA contra a organização terrorista "Estado Islâmico"
(EI).
Os
russos então passaram a bombardear diferentes alvos. E agora são os aviões da
aliança militar liderada pela Arábia Saudita que vão sobrevoar o espaço aéreo
sírio numa nova luta contra o terrorismo. Essa aliança é a maior de todas: são
34 países do Oriente Médio, Ásia e África.
"Atualmente,
reina tal confusão no espaço aéreo sírio que ninguém consegue mais diferenciar
quem ali está atirando em quem", descreve o especialista em Oriente Médio
Michael Lüders.
O denso
tráfego aéreo aumenta consideravelmente o potencial explosivo da situação, diz
Lüders, alertando que uma possível colisão acidental entre dois aviões de
combate poderia acirrar ainda mais as tensões.
A
situação pode continuar a se agravar especialmente para os civis sírios, diz o
analista político Ali Ibrahim em artigo no jornal Asharq al-Awsat. Segundo
o articulista, isso também teria consequências para a Europa.
"Em
busca de um lugar seguro, dezenas de milhares de sírios estão dispostos a
atravessar o Mar Mediterrâneo. Isso mostra quão grande é o caos dessa situação.
A fuga deles poderia levar a novos problemas e transtornos na UE", afirma.
Os
motivos por trás da aliança árabe também são de natureza política. Da mesma
forma, os voos da coalizão liderada pelos EUA foram, recentemente, alvo de
críticas.
"As
bombas ocidentais sobre o Iraque e a Síria vão fazer surgir tantos combatentes
jihadistas quanto aqueles que vão destruir", escreve o especialista em
Oriente Médio Serge Halimi no jornal Le Monde diplomatique. "Uma
solução duradoura dependerá dos povos da região, não das antigas potências
coloniais ou dos EUA."
Teoricamente,
a nova aliança poderia, em primeiro lugar, reivindicar uma maior legitimidade,
já que reúne toda uma série de países anteriormente colonizados. Países que
pertenciam à federação de territórios da África Ocidental Francesa – como
Benin, Costa do Marfim e Mali – defendem que na Síria devem intervir não
somente os tão criticados Estados ocidentais, mas também países que antes
estavam sob o seu domínio. E os Estados muçulmanos da nova coalizão poderiam
desacreditar a propaganda do EI de que, na Síria e no Iraque, estaria
acontecendo uma "cruzada" contra o islã.
Liderança
controversa
Problemática,
porém, é a liderança da nova aliança militar: Arábia Saudita. O país empreende
já há nove meses uma guerra no Iêmen, que segundo dados das Nações Unidas já
matou 6 mil pessoas e feriu 30 mil.
Atualmente,
o país no sul da Península Arábica registra 2,3 milhões de deslocados internos.
O
especialista em Oriente Médio Michael Lüders aponta que, acima de tudo, a
Arábia Saudita seria um adversário do EI altamente questionável devido à sua
própria ideologia altamente conservadora: "A Arábia Saudita é um país com
uma ordem político-religiosa, que não se diferencia muito do sistema do 'Estado
Islâmico'. Neste ano, morreram mais pessoas executadas pela espada na Arábia
Saudita do que decapitadas pelos jihadistas do EI. Nesse sentido, a guarda das
ovelhas é entregue ao lobo."
A
própria Arábia Saudita está sendo há muito tempo ameaçada pelo EI. A partir do
vizinho Iraque, o grupo terrorista já tentou várias vezes romper a fronteira
para o reino saudita. Também no Iêmen o "Estado Islâmico" já fincou
pé.
Desde
que Saddam Hussein invadiu o Kuwait em 1990, e os EUA, posteriormente, passaram
a estacionar tropas na Arábia Saudita, muitos islamistas não se deixam mais
impressionar pelo wahabistas, seguidores da vertente do islã predominante no
Estado saudita. Pelo contrário: os wahabistas são vistos por eles como
colaboradores de um regime corrupto.
Rival
Irã
De
acordo com a revista online Al-Monitor, que se ocupa da política do
Oriente Médio, frente ao atual governo saudita, o EI se apresenta como um
movimento incorruptível. Além disso, diz a publicação, ele também representa um
velho sonho do islamismo político: o restabelecimento do califado, abolido por
Mustafa Atatürk, fundador da República da Turquia, em 1924. Isso faz aumentar a
atratividade do movimento jihadista em muitos lugares, explica Al-Monitor.
Além
disso, há a amargura de muitos muçulmanos sobre os regimes autoritários na
região. "Esta amargura foi herdada pela geração mais jovem, que quer
pertencer a uma organização que consiga unir poder, religião e modernidade. E é
isso que lhes proporciona o EI", diz a revista online.
A nova
coalizão poderá reforçar não só as tensões do lado sunita, mas também piorar
ainda mais as relações já abaladas da Arábia Saudita com os xiitas,
principalmente com o Irã.
Por meio
da nova aliança militar, diz Michael Lüders, a guerra por procuração entre
esses dois Estados na Síria se agrava ainda mais. Isso é ainda mais verdadeiro
pelo fato de, para a Arábia Saudita, o que importa é, em última instância,
combater o "Estado Islâmico", mas também a luta de poder com o Irã:
"O objetivo é limitar a influência de Teerã", conclui Lüders.
DW - Deutsche Welle
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