quinta-feira, 9 de julho de 2015

Analistas temem contágio de queda das ações na China

Álvaro Campos  -  Estadão


A forte correção que os mercados acionários chineses vêm experimentando pode ser, segundo analistas, reflexo de uma desaceleração mais ampla do gigante asiático. Nesse cenário, um dos principais riscos de contágio para a economia global e, em especial, para exportadores de commodities, como o Brasil, é que o governo da China se veja forçado a desvalorizar sua moeda, afetando os preços de insumos básicos.

Em 31 de outubro do ano passado, o índice composto da Bolsa de Xangai estava em 2.420 pontos. Em 12 de junho, chegou a um pico de 5.166, com valorização de mais de 100%. Ontem, no entanto, o índice fechou em 3.728,19 pontos.
A preocupação é que a queda das bolsas reflita um cenário de lucros menores das empresas e também acabe provocando falências de algumas instituições financeiras menores que estão mais expostas, afetando assim a atividade econômica. Para o estrategista global do Macquarie Bank, Thierry Wizman, os múltiplos de mercado atingidos pelas bolsas chinesas antes da atual correção certamente sugerem que elas estavam em território de bolha. Essa situação foi estimulada pela promessa de mais liquidez vinda do Banco do Povo da China (PBoC, na sigla em inglês), à medida que a economia dava sinais de que não atingiria as metas de crescimento para este ano.

"Isso tem a ver com o fato de que, apesar das recentes injeções de liquidez, a economia não acelerou. É possível ver isso em outras variáveis, como os preços do minério de ferro, a cotação do dólar australiano, etc", comenta Wizman.
Para o estrategista da Post-Bric Asset Management, Marcelo Ribeiro, os desdobramentos no mercado acionário também são parte de um movimento mais amplo de estouro da bolha chinesa. "O governo tem tentado fornecer estímulos monetários, mas, em vez de esse dinheiro ter ido para produção, foi para especulação. Muitas empresas estavam lucrando mais com ações do que com sua operação, assim como aconteceu com a bolha do Japão (no fim dos anos 80) ou da Nasdaq (também chamada de bolha da internet, no início dos anos 2000)", afirma.

Flávio Maldonado, especialista em direito bancário, mercado de capitais e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros, diz ser difícil determinar se uma bolha existe e se está prestes a estourar. "Algumas vezes ouvimos falar de bolhas e elas não se concretizaram. O fato é que estamos vendo uma forte correção de preços nos mercados chineses", diz. Ele lembra que, desde a crise financeira global de 2009, a noção de deixar o mercado se ajustar livremente perdeu apoio. "A instituição que atua como emprestador de última instância precisa corrigir os desvios, senão a crise é muito dramática."

Contágio. Wizman lembra que os mercados chineses de renda variável são muito fechados para os investidores estrangeiros, mas acredita que o atual movimento pode ter impactos em outras regiões por canais indiretos, via queda na confiança de empresas e consumidores, que assim afetaria o crescimento econômico. "O Brasil e outros mercados emergentes definitivamente vão sofrer, especialmente se a China for forçada a enfraquecer sua moeda", acrescenta.

É a mesma preocupação de Ribeiro. Ele afirma que as exportações chinesas apresentam queda real na comparação anual, em função do relaxamento quantitativo na zona do euro, que torna os produtos europeus mais competitivos, e também por conta do atrelamento do yuan ao dólar. Com a valorização da moeda americana, a divisa chinesa também subiu, mesmo essa paridade sendo calculada diariamente pelo PBoC.

"Na medida em que a economia perde capacidade de exportação, cresce a pressão para que o governo desvalorize a moeda. Se isso acontecer, as commodities vão tomar um forte golpe e aí podemos dizer que a crise brasileira nem começou. Essa seria a mãe de todas as crises", diz Ribeiro.

Álvaro Campos - O Estado de S.Paulo

Nenhum comentário: